Já parou para pensar na quantidade de pessoas que você
conhece durante sua vida inteira?
Um amontoado de gente com as personalidades mais
diversas. Uma não come verdura, outras têm medo de andar na rua sozinho. As
pessoas são tão únicas que acredito ser um desperdício passar por elas e não se
dar o prazer de uma apresentação. Ou melhor, o prazer de fazer com o que elas
passem e de alguma forma, permaneçam na sua vida.
Sempre fui uma garota simples. Usava calça de tactel,
lenço de seda na cabeça e óculos de Janis Joplin, com armação azul. Não era
conhecida na escola por ser bonita, afinal era baixa, tinha cabelos revoltos e
não tinha costume de usar maquiagem nem brincos. Minha mãe dizia que a vaidade
tinha passado longe de mim. Apesar disso, sempre fui boa escritora e uma
formadora de opiniões, e era por isso que as pessoas me conheciam. “Ali vai a garota que escreveu aquela
peça” ou, “aquela menina é ótima com
artes”, ou ainda “ preciso de uma indicação de livro, vou procura-la”. Era a
típica nerd que sabia se comportar em qualquer lugar , e que tirando uma ou
outra grande amiga, que permanecem até hoje, convivia com meninos. Sempre com
meninos.
Eles eram mais divertidos, menos falsos, e dividiam
comigo os meus gostos para música e conversas. Incontáveis vezes passava os
intervalos nas mesas deles cantando músicas de Legião Urbana e competindo quem
sabia cantar Faroeste Caboclo por inteiro. Minha vida era cercada por garotos.
Eles eram os melhores garotos, mesmo que nem sempre tenham feito escolhas
certas.
O primeiro garoto da minha vida começou errando quando eu
tinha um ano. Foi embora e me deixou sem saber quem ele era, nem o que seria no
meu futuro. Era só uma imagem de um rosto fantasma perdido em minhas
lembranças. Ele entrava no meu mundo, e resolvia sair de novo como quem
trocasse de roupa. Acredito que ele não tinha tendência a ser pai, mas daí ele
me deu um irmão, e aprendeu a ser pai dele, mas nunca o meu.
O segundo garoto veio pra compensar o primeiro. Ele me
ensinou a ler, me ensinou a andar de bicicleta, me ensinou que sou mais forte e
resistente do que acredito que sou. Me ensinou a orar e a não gostar de velas
de aniversário. Me ensinou a perdoar e a não estragar comida.
Ele era a humildade em pessoa. Pra mim era um anjo que
Deus me deu de presente pra nunca deixar de sorrir com os problemas. Ele já me
deixou, e não foi porque ele quis, mas deixou uma garota que agora sabe que é
uma líder nata, como ele dizia.
Tive um garoto que foi meu melhor ombro em dias de
tempestade, mas também era sensível ao ponto de aos onze anos chorar por uma
garota que batia em garotos.
Tive um garoto que brincava de ser professor e montava
mini escolas em sua casa. Eu sempre fui sua assistente. Nas festas de natal e
são João, montávamos quadrilhas na rua e apresentações onde todos eram
intimados a contribuir com nossa causa juvenil. Ninguém nunca brecou nossa
loucura, e hoje ele é um puta de um professor bom! O melhor!
Tive um garoto que me fez sentir muito ciúme de início
quando ele começou a pertencer a minha vida, mas quando comecei a me acostumar
com seu rostinho sempre sorridente e sua forma amorosa de me chamar, me derreti
por inteira. Ainda hoje, com quase dois metros de altura, ele me chama da mesma
forma, e continuo sentindo um amor sem fim por ele.
Tive um garoto que sempre foi melodramático e exagerado.
Quando ele se cortava, dizia que ia morrer. Quando brigava com alguém, achava
que o mundo iria acabar. Era um garoto sonhador, e mais que isso, um
realizador. Não sabe chegar na hora marcada pra nada, mas daria a sua vida para salvar a de um cavalo.
Tive um garoto que dividiu todas as minhas grandes
criações teatrais. Eu era a cabeça, e ele a voz. Formávamos uma dupla e tanto!
Tive um garoto que me ensinou a beijar, e não poderia ter
sido um melhor. Ele foi meu primeiro sonho amoroso, e a primeiro garoto que me
olhou de uma forma tão nova e doce.
Tive um garoto que tentou me ensinar latim, sem muito
sucesso, não conseguia entender aquele monte de terminações. Esse garoto se
deliciava ouvindo Memory em Cats, e quase podia sentir as lágrimas em seus
olhos de emoção.
Tive garotos que foram parceiros e me ensinaram a dançar.
Tive um garoto que era inspiração pura, e ao qual eu sempre fui, sou e serei fã
de seu talento nos palcos juninos da vida. Tive um garoto que nos xingava, nos
destruía psicologicamente e três segundos depois ria das merdas que fazíamos
dançando. Esse foi um grande mestre pra mim. As vezes brigar com alguém não
significa algo ruim, e quando se tratava dele, não significava mesmo!
Tive um garoto que era meu amigo de risos, que tinha a
melhor voz do mundo e que sempre me arrepiava quando ele começava a cantar. Com
esse garoto eu dividi um almoço sem comida e um passeio ao zoológico cheio de
risadas.
Tive um garoto que mentiu pra mim em vários graus
possíveis, mas que me deu o melhor presente do mundo: O melhor garoto da minha
vida.
Tive um garoto que dividiu comigo o momento mais difícil
que vivi, de mãos dadas, com lágrimas nos olhos e vendo o sol se por em vários
tons de rosa.
Tive um garoto que colecionava cartas de Pokemon, e que
tinha o sorriso mais brando e o olhar mais verdadeiro do mundo.
Tive um garoto que tentou me resgatar de um poço sem fim.
Foi meu amigo, meu ombro, minha auto confiança. E mesmo quando descobri que não
podia estar tão próxima a ele, ele permaneceu próximo a mim.
Tive um garoto que me chamava de “linda” com freqüência e
que sempre me dizia “não sou desses” (uma piada particular). Era um garoto
sensível, que gostava das mesmas coisas que eu. De uma áurea clara e um dedo
fotográfico invejável, ele foi o meu "xuxu".
Tive um garoto que salvou a mim e meu grupo de uma
enrascada terrível quando foi corajoso o suficiente pra se doar a um personagem
e chorar lágrimas que nem eram dele. Sou fã!
Tive um garoto que me mostrou que quando estou
desgastada, ainda consigo ser uma atriz. Me mostrou que o esforço faz uma tal
de excelência. Me mostrou que posso ter uma van plotada quando quiser, e que
quando as coisas estiverem estranhas, é só cantar Another brick in the wall.
Tive um garoto que tentou me ensinar sobre cultura. Que
me desgastou de uma forma estúpida pra me mostrar que eu podia fazer qualquer
projeto do mundo, principalmente os que amava fazer. Esse garoto tinha olhos de
deserto que me fazia visualizar oásis sagrados. Era um mistério, um grande
mistério, um ótimo mistério.
Tive um garoto que sempre me abraçou como um urso. Era
meu grande amigo. Sempre contava qualquer coisa de qualquer espécie pra ele.
Sempre foi aquela pessoa que quando via e estava triste, chorava abraçada, deixando sua blusa encharcada. É uma das
minhas memórias de amor mais forte.
Tive um garoto que me fez carinho depois de ter,
artisticamente, abusado de mim. Ele só queria saber que eu estava bem, e que
nada daquilo tinha sido verdade.
Tive um garoto que mesmo que só conversássemos pela
internet, me conduziu a um estado de espírito superior. Ele me mostrava coisas
duras sem ser duro. Ele me guiava sem parecer chato. E é ele quem me desenhará
para me imortalizar como uma obra de arte. Não sabe ele que ele já
é uma obra de arte na minha vida.
Tive um garoto que me disse que eu era talentosa e me
guiou por uma estrada nova pra mim. Me disse que eu tinha cara de Rosa, de Sr.ª
Valete. Me disse que eu tinha cara de sua namorada, e quem sabe, da futura mãe
do seu filho. Ai, como o amo!
Tive um garoto que me apareceu como um irmão, depois
virou um amigo íntimo, passou a ser meu apoio, meu dom, meu tudo. Foi ele a
segunda pessoa do mundo que me disse que eu era talentosa com palavras, e que
me deu toda uma oportunidade de ampliar meus horizontes culturais. Estará na dedicatória do meu livro como o condutor da minha viagem mais espetacular: Ser escritora.
Tive um garoto o qual eu amei, louca e desesperadamente
ao ponto de achar que não conseguiria viver sem ele. Mas é claro que eu vivi
sem ele. O segundo garoto da minha vida me ensinou a ser forte, lembra? Mas
esse garoto foi uma luz pálida e uma sombra fujona na minha existência por muito
tempo, e de uma forma mais lúcida, continua sendo. É a minha melhor conversa,
meu melhor conselho, e um ombro mega protetor.
E finalmente, e o mais importante, O maior garoto da
minha vida.
Esse foi aquele que não queria, que bati o pé brigando
com Deus pra não deixar ele entrar na minha vida. Tinha medo de chorar vendo o
sol se por cor de rosa novamente. Mas Deus não me ouviu, e o agradeço
loucamente por isso.
O maior garoto da minha vida me diz bom dia toda manhã me
abraçando de leve. Canta uma música em japonês porque seu Power Ranger
predileto é o Samurai. Deixa carros de ferro espalhados pela casa de forma
estratégica à me fazer pisar e me machucar. Ele espera ansioso eu chegar da aula à noite e quando quer carinho, geme baixinho e me diz que quer colo. Ele chora
quando brigo com ele, mas pudera, é mais danado que todos os outros garotos
juntos.
Ele me chama pelo nome quando esta com raiva de mim e me
acorda de madrugada para pedir comida. Ele pede o seu desenho predileto quando
estou assistindo um filme maravilhoso e vai todo dia pra escola com um edredon
enorme e rosa que ele chama de paninho.
O maior garoto da minha vida é realmente um garoto, tem
pouca idade, e já tem todo o meu amor. Fico pensando o que seria de mim sem
ele, se é que existiria um “mim”. Eu sou ele por inteira. Ele é meu dia, minha
tarde, minha noite. Meus melhores sonhos e também os maiores medos. É por ele
que acordo todo dia de madrugada e que só volto pra casa quase de madrugada
novamente. É meu tudo!
Cada garoto que passou pela minha vida deixou um rastro
inapagável. A maioria deles são homens maduros, mas nunca deixarão de ser
garotos. E em algum momento de nossas histórias, mesmo só tomando sorvete, ou
assistindo filme de terror, eles foram os meus garotos, e eu a garota deles.
É maravilhoso ser mulher e poder bater o peito pra dizer
que tive garotos desse jeito ao meu lado. Divinos garotos, fanáticos garotos,
amigos garotos, irmãos garotos, amantes garotos, chorões garotos, briguentos
garotos, artistas garotos, carinhosos garotos, loucos garotos.
São só garotos. E eu? Bem, sempre encontrando mais deles
para acrescentar aos meus dias cinzentos e tão roucos.