Foto de Matheus Arruda |
Galera, esse texto é um dos prólogos de um dos meus livros. Saiu publicando alguns de vez em quando. Aqui no blog deve ter pelo menos quatro deles. Mas se vocês se interessarem por algum em especial, é só me dizer que eu publico mais.
Toda
boa história de fantasia com final feliz começa com “Era uma vez”. O grande problema é que essa talvez não seja uma boa
história, aconteceu comigo, e não achei tão boa assim. Segundo porque ela não
acaba nada feliz, e por isso não considero uma boa história. Meu pai dizia que
era boa o suficiente porque eu estava viva para conta-la. Que ilusão! Era uma
grande merda estar viva e ter tantos pesadelos de noite com pessoas mortas. Ele
sabia. Ouviu cada um dos meus despertares gritantes pelo longo período de um
ano inteiro.
Me
sentia dentro de um livro do George Martin. Era como se o Deus que eu tinha
acreditado minha vida inteira desse uma de autor de chacinas literárias e tivesse
preenchido minha vida com uma cor que eu tinha passado a odiar: O escarlate. Eram rostos de pessoas que não conhecia.
Outros de uma transparência tão grande de alma, que conseguia enxergar através
delas. Sinto todo o peso dessa gente manchada de vermelho nas minhas costas, e
nem tenho mais dezessete anos. Há cerca de cinquenta anos eu não tenho mais
dezessete anos.
O
que vocês lerão aqui será o registro de como a minha vida mudou da noite para o
dia, e de como uma velha caduca não consegue esquecer nenhum desses
acontecimentos, mesmo depois de tanto tempo, mesmo depois de ter tentado a
qualquer custo esquecer. Tanta gente velha esquece onde colocou a bolsa, a
identidade, a dentadura. Eu posso repetir o meu número de título de eleitor,
quantos azulejos tinham de frente à minha escola e o telefone da casa da minha
avó quando eu tinha seis anos. Eu sou capaz de te dizer quanto tempo demora
para chegar em Marte, por mais esquisito que isso possa parecer.
Não
tenho super poderes, mas sou filha das pessoas mais esquisitas que já conheci,
e olhe que nem as conheci como deveria. Na verdade, foi algo bem traumático.
Opa!
Minhas costas doem. Posso ter boa memória, mas ainda tenho ossos velhos. Vou para
a cama tentar escrever por lá, ou chamarei alguém mais jovem para escrever por
mim. Isso até seria uma boa ideia, mas resolvi compartilhar isso de uma vez só
com o mundo inteiro, nada de uma pessoa por vez.
Da
minha cama eu consigo ver o mar. Nunca pensei que pudesse morar tão próximo a
ele. Eu adoro acordar e ouvir o som das ondas quebrando nas pedras. Adoro
dormir ouvindo os animais conversando em um ciclo de sons guturais e tão
expressivos. Mas acho que a melhor parte, é quando o sol está se pondo e ele
cria uma explosão de cores que nenhum giz cera é capaz de imitar, que nenhum
computador jamais foi. A melhor delas é o rosa, onde os raios de luz saem
amarelados e preguiçosos dando adeus a um dia longo, e dando as boas vindas a
uma noite tão longa quanto. E daí eu passo a amar as estrelas diferenciadas e
coloridas daqui. Sinto-me a Rapunzel divagando sobre sonhos em um céu de
eternidades.
Mas
não vim aqui falar sobre esse céu, pelo menos não agora. Primeiro vocês tem que
conhecer o início, como tudo isso começou. Como passei de uma garota que se
preocupava com esmaltes e livros de H.G.Wells e Robert Louis Stevenson, para
uma garota que foi obrigada a aprender a usar armas das mais diversas épocas de
nossa humanidade. Até as que ainda nem existiam.
Era
um pássaro vestindo pele de lobo e soltando veneno de cobra em suas palavras e
ações.
Mas
me prometa, prometa que você não irá me julgar pelas minhas ações. Na hora me
pareceram as melhores opções, mas hoje... Bom, hoje eu não sou quem era há cinquenta
anos. Só te peço que leia até a última página, e só então te deixo me julgar.
Apresento
o meu mundo, e começo pelo dia que ouvi falar de Tarisa pela primeira vez. Foi
exatamente há cinquenta anos. No dia em que acordei atrasada pra escola, que
perdi o ônibus, que comemorei meu aniversário sozinha, e que ganhei o presente
mais surreal de todos.
Era
uma vez...
Estou
brincando! Foi mais algo como...