No passado, Riggan Thomson (Michael Keaton) fez muito sucesso interpretando o Birdman, um super-herói que se tornou um ícone cultural. Entretanto, desde que se recusou a estrelar o quarto filme com o personagem sua carreira começou a decair. Em busca da fama perdida e também do reconhecimento como ator, ele decide dirigir, roteirizar e estrelar a adaptação de um texto consagrado para a Broadway. Entretanto, em meio aos ensaios com o elenco formado por Mike Shiner (Edward Norton), Lesley (Naomi Watts) e Laura (Andrea Riseborough), Riggan precisa lidar com seu agente Brandon (Zach Galifianakis) e ainda uma estranha voz que insiste em permanecer em sua mente.
A Inesperada Virtude da Ignorância, e esse filme não poderia ter um codinome melhor. A sensação que fica quando ele acaba é exatamente essa... de como é virtuoso ser um pouco ignorante. Como é macio se manter nessa zona de conforto simplória que estamos acostumados, porque quando saímos dela, o choque das possibilidades pode ser um tanto desnorteador.
Birdman traz um retrato fiel do que acontece nas coxias do teatro. O frenesi, a loucura, os distúrbios psicológicos que as pessoas desse meio tem tendência a ter. E não por serem oficialmente perturbados, mas porque ser ator, e artista de uma maneira geral, mexe absurdamente com esse lado das possibilidades que citei no parágrafo anterior. No palco tudo é possível, e mesmo atrás dele esse leque de coisas irreais costumam perseguir quem está em frente ao público com constância. É um mundo de realidade irreal.
Mas, Carol, talvez eu não esteja entendendo muito do que você está falando.
Isso é porque talvez eu esteja tentando te colocar para pensar sobre o que estou falando. Porque uma coisa é certa assistindo Birdman, se você não parar para pensar nos pequenos detalhes do que o filme mostra, então você não vai apreciá-lo como um bom filme de arte, porque foi justamente o que vi ai: um filme de arte.
Como diz a sinopse, e ela pode deixar um pouco a desejar no quesito semântico, trata-se de um ator que foi um herói do cinema alguns anos antes, interpretando o Homem Pássaro, e hoje, já esquecido pela mídia por não ter conquistado um papel importante após o Pássaro, entra como diretor e ator de um espetáculo de teatro na Broadway, de um texto super antigo e um tanto antiquado para a época tecnológica em que estamos.
Basicamente é isso o que temos de linha base para o desenvolvimento da história. Contudo dentro dessa linha, existe uma enorme lista de esteriótipos humanos decorrentes do show business. Por exemplo o próprio Birdman, interpretado brilhantemente pelo tão esquecido Keaton, que há anos também não interpreta um papel de peso. Como se o diretor tivesse selecionado a dedo um ex figurão das telonas para interpretar um esquecido das telonas, como ele é hoje em dia. Achei isso genial!
Mas enfim, o Riggan (Birdman) é o tipo de ator sonhador. Aquele que conquistou um público em algum momento e que pensou que continuaria no patamar de importância no cinema por isso, mas que foi deixado de lado por outros tantos mais novos. Inclusive o roteiro trabalha isso brilhantemente, citando jornalistas perguntando se o ator passava um certo tipo de banha para rejuvenescer. Você sente que o personagem tem essa necessidade de parecer mais jovem, e que ele está em busca do papel que vai lhe devolver as primeiras páginas do jornal e garantir que não seja esquecido.
Keaton o interpreta de uma forma tão poderosa, que por vezes fiquei sem saber se ali na tela era o ator Riggan, ou o ator Keaton. E acho que até o próprio se confundia em alguns momentos. Impossível não confundir. Acho que nunca vi Michael Keaton tão bem em um papel como nesse. Parecia que tinha sido feito especialmente para ele. Pode esperar cenas fortes dele em agressividade - por conta de uma crítica ruim -ou sendo alheio a família de uma forma quase banal.
Seguindo os esteriótipos também temos Mike, interpretado pelo Norton, que está sensacional nesse papel. Ele é o ator revoltado, que faz as maiores barbaridades e sorri depois. Finge que está tudo bem sendo agressivo e idiota, e no fundo é tão pensador e preocupado quanto qualquer outro artista. Foi meu personagem predileto no filme justamente por essa dualidade convencional.
E ainda temos a atriz que quer ser o grande nome da Broadway, o empresário que tapa os buracos feito pelo atores, e arranja ideias do nada para tocar o show. A filha rejeitada que se joga nas drogas e culpa o pai pelo abandono, sendo a peça tecnológica que liga o passado e presente da história. O que não falta nesse filme são tipos artísticos brilhantemente interpretados. É tanto que Birdman concorre a três das quatro premiações de atuação.
É um filme de realismo fantástico, onde o real e a metáfora brincam juntas no mesmo espaço, fazendo com que você confunda o que é de verdade e o que só existe na cabela de Riggan. Achei isso escandaloso de bem feito. Sem contar que tem muito tempo que não vejo a academia premiar um filme desse tipo, e ele é muito foda para não ser premiado.
Outro ponto positivo - loucamente positivo - é a questão dos planos sequenciais. Percebi logo nos primeiros minutos que as cenas tinham pouquíssimos cortes, e só quando era muito necessário, ou muito poético. Isso é um puta trabalho para a edição, direção, técnica e atuação. Tudo tem que estar em muita sincronia, e você sente isso na equipe que aparece na tela. O sincronismo é irreal de tão bom. É uma câmera pulsante, que acompanha a loucura dos bastidores e te faz respirar junto a ela. Não é oculta, sabe? Ela é presente e chega a ser o próprio personagem em alguns momentos. Ela dança entre ser um novo alguém no filme, ou entrar no lugar de outrem, como fez no lugar de Norton em uma pequena passagem e de Keaton, na melhor cena da Emma Stone. Então não dá para ignorar o homem que fica literalmente por trás das câmeras desse filme, e nos dá uma genial fotografia de quebra. Acreditem, se já é difícil gravar um filme em pequenos cortes de segundos, me diga como seria uma cena de dez minutos sem corte algum? E isso não falo de um personagem parado, porque não existe calma em momento nenhum desse filme. Falo de sobe, desce, rua, telhado, corredores, e tudo o que gira ao redor daquilo. Puta que pariu, é perfeito!
Birdman está concorrendo nas seguintes categorias: FILME, DIRETOR, ATOR, ATOR COADJUVANTE, ATRIZ COADJUVANTE, ROTEIRO ORIGINAL, FOTOGRAFIA, EDIÇÃO DE SOM E MIXAGEM DE SOM. Eu voto nele para filme pela originalidade, mesmo com tantos outros de peso. Se a academia der o prêmio de melhor filme para ele, talvez dê o de direção para o de Boyhood, fugindo do padrão Filme/Direção. Keaton está concorrendo com uma atuação entre drama e comédia, o que é diferente de todos os outros que vi. Vamos ver como a academia vai premiar isso. Eu boto minhas fichas em Norton para coadjuvante, Ele tá muito bom nesse papel, mesmo que o outro forte para mim seja o Jk Simons, de Whiplash. Não acredito que Emma Stone leve como coadjuvante por conta das outras, mas no cinema tudo é possível. Roteiro se não derem a ele vou dizer que foi marmota. Não tem melhor no original. Também daria fotografia pelos planos sequenciais, é um trabalho de cão fotografar cenas desse tipo, ainda que tenhamos Budapeste e Sr, Turner brigando feio na parada. Edição de som eu acredito mais em Sniper, por ser filme de guerra. E Mixagem eu votaria em Whiplash, por ser de música e praticamente não ter chances com quase nada.
Todos sabem o quanto esse ano o meu coração é de O Jogo da Imitação, mas minha cabeça é altamente de Birdman. É um filme sensível, cabeça, com um puta significado nas cenas que parecem não ter significado algum e altas chances de ser o grande vencedor da noite do Oscar. Estou muito orgulhosa desse filme ter sido indicado na categoria principal, e na real? Torcendo por ele. Se não for O Jogo, e tenho certeza de que não será, então que seja Birdman pela originalidade e coragem num projeto tão audacioso.