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Ontem, quando coloquei a cabeça no travesseiro, comecei a chorar compulsivamente.
Passava da meia noite, minhas pernas pulsavam de dor, ainda não havia tomado banho e tinha olheiras que assustariam até o Conde Drácula. Estava com fome e precisava urinar há mais de quatro horas. O filho mais velho via televisão, encolhido num canto da cama, e a caçula havia acabado de pegar no sono, depois de horas pelejando para quem ela dormisse.
Foi nessa hora, analisando o caos que estava o chão do quarto, a quantidade de copos espalhados sobre a cômoda, que entrei em desespero. Precisaria acordar dali a cinco horas e ter um quarto arrumado o suficiente para deixar minha mãe, que toma conta dos meninos pela manhã, se movimentar nele sem se sentir em um lixão. Então segurei meu sono e minha vontade de ler um pouco, e fui em busca de cafeína para me manter acordada o suficiente para organizar as coisas mais preocupantes. Em forma de remédio, lógico. Detesto café!
Tomei um remédio para dor muscular, guardei os brinquedos, dobrei os panos limpos, varri o chão do quarto, passei pano, levei copos e pratos sujos para a pia e recolhi o lixo espalhado. Só ai fui tomar um banho rápido e engolir um copo de suco com duas bolachas. Passava das duas quando coloquei a cabeça no travesseiro, e quando meu despertador tocou, precisamente as cinco, eu passei perto de jogar ele na parede ou destruir com um martelo. Caramba, parecia que tinha acabado de fechar os olhos!
Isso tem sido uma constante em minha vida, e só ontem, quando me vi chorando copiosamente e encolhida na cama, foi que percebi o quanto estava mal. O quanto me sentia mal fisicamente, psicologicamente e emocionalmente. E daí me sinto mal de novo porque acho que estou culpando a maternidade por isso, e eu amo meus filhos mais do que posso explicar.
Sou uma mulher multifacetada. Consigo fazer comida com um bebê no colo, estender roupa enquanto tiro ela de cima da escada, ler algumas páginas de um livro ao mesmo tempo que ela samba no meu colo porque não sabe se quer mamar, brincar ou simplesmente torrar minha paciência. Preciso fazer dois tipos de comida porque o mais velho não gosta de ovo, e a pequena precisa comer. O mais velho não gosta de leite, e a pequena precisa. O mais velho não gosta de queijo, de peixe, de fígado... Na hora do banho não vou nem falar! É gritando com um para lavar a cabeça e esfregar os pés enquanto esquento água para ver se a pequena entra no clima noturno de sono. Não funciona muito bem.
No pouco tempo do dia em que ela me dá um sossego, dois cochilos de meia hora, é quando vou lavar prato ou varrer casa. Tirar o pó superficialmente dos livros na sala ou tomar um banho para conseguir lavar o cabelo com decência. Tenho sempre que escolher o que fazer, e quase nunca é algo que quero fazer, mas que preciso. E olhe que meu filho nem começou o ano escolar, o que vai ser outra luta com a dificuldade que ele tem para aprender a ler.
De início me sentia forte, uma super heroína resistente que achava que isso ia melhorar logo e que depois ganharia um prêmio por ser uma mãe batalhadora, e ainda acredito parcialmente nisso, mas hoje sinto que estou definhando. Começou como uma pontada quando vi meu irmão indo assistir um filme que esperei muito tempo para ver e eu não ter como ir porque não tenho com quem deixar as crianças para isso. Depois quando vi uma amiga comprando uma calça nova para o ano novo e eu ter que usar o pouco de grana que tinha para material escolar e matrícula do mais velho. Sinceramente não lembro a última vez que comprei algo para me deixar visualmente mais agradável. Ando um trapo ambulante, e nem estou falando de roupas e sapatos, mas de fisionomia mesmo. De parecer saudável.
Quando percebi que era inveja o que estava sentindo, tratei de me desligar disso e parar para pensar o que estava acontecendo. Não sou de sentir inveja, então algo estava errado. Era esse algo errado que começou com a pontada discreta, e que hoje são agulhadas na alma. Estou esgotada, e não posso mais ser uma heroína o tempo inteiro. Preciso desacelerar. Mas como diabos desacelera com duas crianças? Um tem sérios problemas de aprendizado e a outra ainda vai fazer um ano. Como me manter saudável quando nem consigo respirar quando penso em voltar para casa?
Sei que muitas mulheres passam por isso constantemente e que parece ser uma coisa normal, mas não é. Não é normal quando você cogita a possibilidade de ficar numa praça qualquer invés de querer ver seus filhos. Se tornou uma parte da cultura social que as mulheres façam tudo, mas elas são só humanas, gente. Só humanas!
Não estou aqui para puxar um discurso feminista nem nada do tipo. Estou porque do mesmo jeito que me sinto mal, sozinha e rancorosa em metade do tempo, também acho que muitas mães se sentem do mesmo modo por ai. Talvez a gente possa se ajudar... Só talvez, e ultimamente uma possibilidade é melhor do que fingir que escuto quando meu filho quer falar do jogo predileto dele quando eu só queria uma hora de completo silêncio para ouvir meus pensamentos.
Será que estou deprimida? Não sei, e realmente também não sei quando procurar ajuda e nem como. Depressão pós parto pode vir depois de um ano? Também não faço a mínima ideia. Tenho preguiça até de pensar sobre isso e me sentir pior do que já estou.
Não sou uma super heroína, e precisei de um dia inteiro ouvindo minha filha chorar e meu filho gritar para saber que só queria estar longe por uma hora. Uma única hora de paz e eu estaria mais forte. Cheguei ao ponto de querer desesperadamente que o mais velho ficasse no celular para me deixar em paz, e que o pai da caçula resolvesse ficar com ela mais tempo do que apenas o período de eu conseguir fazer comida para todo mundo. Não consigo deixar de pensar na música do Titãs que diz que a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte...
Já ouvi que sou frescurenta e negativa. Que tenho sempre que pensar pelo lado positivo de tudo, e eu me esforço para isso. Mas sinceramente? Foda-se ser positiva o tempo inteiro! Se anular para ser mãe, trabalhar fora de casa e ser dona de casa é comum, mas não venha me dizer que é normal. Por isso o mundo tá cheio de mulher depressiva e sendo trocada pelos maridos simplesmente porque o cara viu um sorriso vivo no rosto de outra mulher, quando ele tem sérios problemas em trabalhar o sorriso da sua própria, em casa, cuidando de seus filhos. Cansada de ouvir relatos assim, e cansada dessa cultura que nos elogia por sermos heroínas simplesmente por darmos conta de dez tarefas ao mesmo tempo.
Depressão é uma coisa que chega lenta. Rasteja sinuosa pelo chão e entra em sua pele no segundo em que você suspira, perguntando o que diabos está acontecendo com você. Torna-se uma amiga leal e inseparável, fazendo seu peso dobrar, criando crateras amolecidas sob seus pés. As vezes tão funda que não dá para voltar.