Autor: Adolf Bioy Casares
Editora: Cosac Naify
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Sinopse:'O sonho dos heróis', de Adolfo Bioy Casares, publicado originalmente em 1954, narra a trajetória de Emilio Gauna, um jovem empregado de uma oficina mecânica, durante o insólito Carnaval de 1927, em Buenos Aires. Com o dinheiro ganho nos cavalos, Gauna resolve pagar as três noites defesta para seus amigos do bar. Na terceira noite, algo inusitado e revelado de seu destino lhe acontece - mas ele não consegue se lembrar o que foi. Três anos depois, no Carnaval de 1930, com uma nova aposta ganha, ele repete os mesmo passos daquela noite, com as mesmas pessoas. A trama onírica, com uma estrutura circular, gira ao redor da estranha amnésia de seu protagonista. Em suas lembranças esquivas acontecem brigas de faca, festas terríveis, manifestações mágicas, histórias de amor e até uma fenda no espaço-tempo, entre outros eventos.
É incrível o quanto a literatura latina mexa com meus instintos. Chega a ser uma coisa visceral. É poética ao mesmo tempo em que é crua; é bela ao mesmo que é feia. Existe essa áurea de encantamento nesse tipo de livro que me impede de parar a leitura, por mais difícil que ela esteja. Foi o caso de O Sonho dos Heróis.
Comprei esse livro bem recentemente e sabia que ainda não estava no clima para ler algo pesado, como sabia que seria. Acontece que depois de colocar todas as minhas pendências da estante numa lata, e tirar o mesmo nome de livro cinco vezes seguidas, reconheci que não era eu quem estava escolhendo um livro. Ele quem me escolhia.
A sinopse dele é uma delicinha para os leitores! Não sou apaixonada por carnaval da forma banal como é no meu estado hoje em dia, mas acho majestosa a magia que existia nos festejos dessa época onde se passa a história, 1927.
Emilio Gauna é nosso protagonista, que recebe uma bolada de apostas que fez em cavalos. Não sabendo o que fazer com a grana, ele chama o grupo de amigos para comemorar os três dias de carnaval por conta dele. Essa diversão dos rapazes é um momento confuso da narrativa, mas é altamente proposital. O autor vai nos deixando bêbados à medida que faz o mesmo com Gauna e seu grupo. A intenção é que não nos liguemos nos detalhes borrados desses três dias. Principalmente do último dia.
Quando Emilio acorda da boemia carnavalesca, não consegue se lembrar com precisão o que aconteceu. Uns trechos aqui, outros ali, mas nada que possa fazer uma imagem completa de tudo o que eles fizeram nos três dias. O mistério é que quando o protagonista tenta descobrir o que aconteceu, nada se revela. Os amigos são evasivos e o barbeiro, que os acompanhou e parecia ser o mais justo deles, sumiu no mundo na manhã seguinte.
Gauna continua a viver sua vida. Se apaixona por Clara e vive anos de uma paz forçada depois disso. Precisamente três anos. É um momento da narrativa que conhecemos melhor o personagem. Que brincamos entre o ódio e a afeição por ele. Que vemos como é difícil escrever personagens tão humanamente possíveis, e o quanto Casares é fantástico nisso. Ninguém é legal em tempo integral, como tampouco é vilão. Gauna carrega essa dualidade de vida quando se apresenta para nós.
Contudo aqueles três dias do carnaval de 1927 ainda o perseguiam. Ou melhor, a curiosidade pela falta de informações sobre o que aconteceu. Então o destino lhe dá uma segunda chance, quando o faz ganhar novamente com os cavalos, próximo ao carnaval de 1930.
Querendo reviver o acontecido para refrescar sua memória, Gauna volta a convidar os mesmos amigos para percorrerem o mesmo itinerário. O que surpreende Gauna é que ele começa a ver coisas nos amigos que jamais tinha visto, e passa a se questionar sobre como momentos nunca podem ser repetidos da mesma forma. Daí entra uma coisa de destino que muito me agradou quando chegou ao fim.
Apesar de ser um livro com um pé grande na realidade, pelos fatos históricos, lugares reais e personagens altamente humanos, O Sonho dos Heróis tem um fundo muito grande no realismo fantástico, o que você só percebe quando chega ao fim. É como se fosse um livro de fantasia disfarçado de realidade. Ao ponto de não sabermos, num primeiro momento, se aquilo tudo foi um sonho ou uma puta de realidade maluca. Pessoalmente achei tão genial que precisei voltar a ler alguns trechos, para entender o que se passou no fim. Acontece que não esperava por aquele desfecho, que é absurdamente fantástico!
Como disse, Casares é mestre em destrinchar situações típicas com um dedo atípico. Em tratar emoções com dualidade da mesma forma como trata das pessoas. Cheguei a me sentir confusa sobre o que Gauna pensava acerca de Larsen ou Clara, porque ora ele pendia a querer agradar um, e hora queria agradar outro. E era capaz de pensar odiar alguém que amava só para dar oportunidade de amar mais quem estivesse com ele no momento.
O livro é incrível! Meio difícil de ler para quem não está acostumado com a escrita de Casares, como é o meu caso. Demorei muito no meio dele, mas a curiosidade pela revelação dos acontecimentos daquele carnaval foi maior do que eu. E quando o livro acaba você pensa... " A curiosidade é capaz de te queimar". Fui movida pelo mesmo sentimento que Gauna por aquele segundo carnaval, e me senti, ao fim, igualmente cumprindo uma missão e chateada por ser tão curiosa. Dá para entender? Casares é desses que nos deixam confusos e extasiados.
Livro predileto para a vida!