O texto desse mês foi em homenagem ao dia das bruxas. Vamos conferir?
A Herança
Às vezes a vida dá surpreendentes reviravoltas e nós vemos
em lugares que nunca imaginamos. Foi exatamente o que aconteceu comigo. Nasci e
cresci no Rio e acreditava que seria sempre assim, mas devido a decepções e
fracassos, acabei me vendo obrigado a me mudar para uma casa da família no
interior de Minas que estava abandonada havia anos.
Era final de tarde quando bateram na porta.
- Oieeeee! – Me cumprimentaram em coro Luisa, Renata e
Débora. Minhas amigas que tinham prometido me ajudar com a mudança.
- Oi! – Respondi rindo – Achei que vocês não vinham mais.
- Filha você tem noção do quanto isso aqui é escondido? –
Renata nunca gostou de lugares muito distantes da agitação.
- Ual! Essa casa é enorme.
- Se quiserem vir morar comigo sintam-se a vontade.
- Nós te amamos, mas nem tanto Carla.
Fiz um pequeno tour com as meninas pela casa. Sem duvida
Luisa tinha razão, a casa era enorme. Possui dois andares. O primeiro continha
um hall de entrada, a sala de estar que mais parecia um salão devido ao
tamanho, a sala de jantar, cozinha, área de serviço e banheiro. A escada para o
segundo andar estava no hall. O segundo andar era constituído por 7 quartos de
tamanho considerável,sendo 2 suítes e um banheiro.
- Sabe Carla, estou começando a considerar seu convite.
- Definitivamente isso aqui é a sua cara Renata.
- Você viu aquele banheiro? Meu quarto cabe lá dentro. –
Todas rimos.
Luisa estava inquieta desde que haviam chegado fato que
também estava me deixando inquieta. Mas preferi não perguntar o motivo. Estávamos
em um dos quartos junto com as caixas de livro quando ela finalmente falou.
- E então, o que foi que aconteceu aqui?
- Como assim?
- Qual é Carla. Essa casa é deslumbrante e está fechada a
anos sem nenhum motivo? Quer dizer, qualquer um iria amar morar aqui.
- A maioria das pessoas prefere a cidade grande.
- Nem tenta. Eu vi a cara que todo mundo olhava para a gente
quando perguntávamos como chegar aqui. Ou aconteceu algo muito grave nessa casa
ou você bateu o recorde de ganhar a antipatia dos vizinhos. – Mordi o lábio.
Eu não ligava para historinhas locais, mas Débora sempre
fora meio medrosa e tinha certeza de que ela sairia correndo. Respirei fundo e
fiz cara de que não era nada importante, e não era mesmo.
- Bom. Uma parenta minha muito velha morava aqui com seus
filhos. Se não me engano eram 3. E as esposas e netos, enfim, moravam todos
aqui.
-Até que...
- Até que morreram.
- Com até que morreram você quer dizer até que foram mortos
né?
- Mortos?
- Calma Débora, não foi nada de mais.
- Se não foi nada demais conta ué.
- Eles apareceram mortos.
- Misteriosamente?
- Não Luisa. A policia nunca achou o assassino, mas sabem
que alguém entrou e matou todos.
- E se o assassino ainda estiver por aqui?
- Débora isso foi a muito, muito tempo.
- E todos na cidade acreditam que os espíritos estão aqui
não é? – Débora soltou um gemido.
- Boa Luisa. Já não esta na hora de ficar calada.
- Vamos embora.
- Débora é só lenda local. Estou aqui o dia todo e não vi
ninguém a não ser vocês.
- Talvez os fantasmas só apareçam a noite.
- Luisa!!! – Gritamos eu e Renata juntas.
- Que foi? Eu até acho legal sabe, dia das bruxas e todas
nós em uma casa mal assombrada a noite toda.
- A casa não é mal assombrada ta legal.
- Quem ta com fome?
- Quanta sutileza para mudar o assunto hein.
- Ao menos eu tento.
- Eu estou. Vamos eu te ajudo. Preciso pensar em outra
coisa.
Renata e Débora
desceram para preparar algo enquanto eu fiquei com Luisa, que logo desceu para
pegar o resto das caixas. Eu estava colocando os últimos livros na prateleira
quando ouvi um grito. Larguei os livro e corri par andar de baixo “ Não existem fantasmas, não existem
fantasmas.”
- Sua idiota!
Débora estava abraçada com a Renata e Luisa as gargalhadas
no chão e com a cara suja com algo vermelho.
- Carla você devia ter visto a cara delas. – Franzi a testa.
- Você tem noção do susto que me deu?
-Ué, achei a medrosa fosse a Débora. – debochou Luisa.
- Acontece que eu pensei que alguém tivesse se machucado.
-Ahan. Sei.
- Vai se limpar vai Luisa.
Me sentei com Débora e Renata para terminar de preparar os
lanches. As luzes piscaram algumas vezes e apagaram.
-Mais que maravilha!
- Calma Déb. Começou a chover e é comum faltar luz.
- Tem vela Carla?
- Em uma das gavetas. Não lembro em qual. Vou ver se está
tudo bem com a Luisa.
Usei o celular como lanterna e subi.
-Luisa! Luisa cadê você! Juro que se você tentar me assustar
eu te mato viu. – Mas ela não respondia. – Luisa!
De repente alguém se jogou em cima de mim fazendo com que eu
caísse e gritasse. Foi tudo muito rápido, mas sabia que era Luisa.
-Porra Luisa para de babaquice!- Ela não se mexeu – Luisa
sai de cima de mim!
- Carla esta tudo bem? – Era Renata que estava vindo seguida
de Débora.
Empurrei o corpo de Luisa para o lado e me levantei
colocando a luz da lanterna no rosto dela. Paralisei. Os olhos estavam
completamente vidrados e a blusa estava rasgada e manchada com sangue.
-Ela...ela...
- Calma Débora.
A impressão que dava era a de que ela havia sido esfaqueada.
Como nós três estávamos lá embaixo isso significava que alguém havia entrado na
casa. Fiz sinal para que as duas ficassem em silêncio e me seguissem. Entramos
no primeiro quarto que vi.
- Falem baixo. – Pedi sussurrando – Tem alguém na casa.
Certamente alguém achou que seria legal repetir a historia.
- Carla o que a gente faz? – Débora perguntou chorosa.
- Temos que sair.
- Como?
-Não sei. Não da pra usar as lanternas porque isso vai
revelar onde estamos. Temos que tentar sair sem fazer barulho e sem luz.
- Temos é que ligar para policia.
- Aqui não tem sinal.
- Ta zuando né?
- Precisamos ser rápidas. Seja quem for que entrou na casa,
pode estar esperando a gente sair daqui. – Débora começou a chorar o mais
silenciosamente que podia.
- No três nós saímos e só paramos do lado de fora.
Contei e saímos.
Apesar da vontade de sair correndo, isso só resultaria em uma queda na escada.
Estávamos começando a descer quando ouvi o barulho de algo pesado caindo no
chão e algo passou rolando por mim e foi descendo pela escada. A cada barulho
da “coisa” batendo no degrau da escada um vento frio percorria minha espinha.
Apesar do meu próprio conselho, peguei o celular e ativei a lanterna. Com as
mãos completamente tremulas e iluminei a escada exatamente quando a cabeça de
Renata rolava pelos 2 últimos degraus.
Débora soltou grito e senti algo respingar em minhas costas.
Não me virei. Desci as escadas correndo o máximo que podia. Estava com as mãos
na maceta da porta quando senti algo escorrer pela minha costa e meu peito.
Olhei par abaixo e vi a ponta de uma lamina rasgando minha blusa. Com o sangue
sufocando minhas palavras, me virei e encarei meu assassino.
Era uma mulher de cabelos compridos e olhos vazios. Eu já
havia visto aquele rosto. Eu parava e olhava para ele toda vez que entrava em
casa. Aquele rosto estava pintado no quadro que havia no hall de entrada
daquela casa.
Bruna Rodrigues