Sinopse: O solitário Andrew (Miles Teller) é um jovem baterista que sonha em ser o melhor de sua geração e marcar seu nome na música americana como fez Buddy Rich, seu maior ídolo na bateria. Após chamar a atenção do reverenciado e impiedoso mestre do jazz Terence Fletcher (JK Simmons), Andrew entra para a orquestra principal do conservatório de Shaffer, a melhor escola de música dos Estados Unidos. Entretanto, a convivência com o abusivo maestro fará Andrew transformar seu sonho em obsessão, fazendo de tudo para chegar a um novo nível como músico, mesmo que isso coloque em risco seus relacionamentos com sua namorada e sua saúde física e mental.
É bem difícil um filme me ganhar em todos os quesitos. Normalmente tenho sempre algo para criticar deles, mesmo o mais foda de todos. Mas de uma forma que não consigo explicar, não tive uma vírgula para me queixar de Whiplash. No momento estou bem pasma por isso. Sentei para separar os defeitos das qualidades, e simplesmente não achei com o que preencher a primeira coluna. Claro que o filme tem defeitos, todos tem! Mas nenhum deles em Whiplash me cutucou a ponto de colocar numa lista.
Quanto a história... Leve em consideração boa parte dessa sinopse, mas deixem de lado esse lance de namorada e a merda do romantismo que Hollywood tende a nos enfiar, mesmo não sendo nem um pouco necessário. Tá, talvez eles tenham colocado esse para mostrar um ponto que acho relevante, mas não precisava desa porcaria na sinopse. Não é isso o que as pessoas devem esperar ao sentar para assistir. #MomentoRevolta
Temos o Andrew, que é um jovem baterista. Está em numa grande escola de música e realmente estuda muito para chegar perto dos grandes músicos na sua área. É um garoto focado, socialmente isolado e muito - muito - foda no que faz! É por causa disso que chega a chamar a atenção do maior professor do lugar, o fanático por jazz, Terence Fletcher. Isso vai garantir a Andrew um lugar na banda de Terence na faculdade. Mas é um lugar bem perigoso, porque por mais fantástico que Terence seja como professor, ele também toca o terror entre seus alunos. O problema de Andrew agora é saber a linha do que é possível e do que não é. Até onde ele capaz de aguentar para chegar aonde quer.
Gente, eu sou uma completa lunática por jazz. Só o som ao longe me faz dançar involuntariamente. Então não foi sacrifício algum para mim assistir a esse filme, mesmo ele não sendo uma história sobre jazz realmente. É apenas o pano de fundo da neuroso desses dois. Whiplash foi o único filme dos candidatos ao Oscar que não me deu sono, ou me fez verificar quanto faltava para o filme acabar. Me levou de um jeito que nenhum dos outros fez, por mais adoráveis que fossem. E, claro, aí temos a genialidade do roteiro combinado com os dois atores principais, e um som eletrizante do começo ao fim.
A melhor coisa para mim nesse filme com certeza foram as duas atuações. Miles está incrível como Andrew, e não sei como ele foi rejeitado nessa lista de atores principais. É calmo e antissocial quando tem que ser, mas é maluco na frente de uma bateria. Acho que jamais vi uma doação de personagem no meio musical tão boa quanto vi nesse. Ele literalmente sangrava pela perfeição, e o ator soube usar esse fanatismo do personagem a favor da sua atuação.
Mas JK Simmons foi a cereja do bolo. Um ator apagado no cinema, que normalmente faz mais vozes para filmes do que aparece neles, e de repente me dá uma atuação dessas de fazer arrepiar. Ele causa medo, raiva, admiração, vontade de matar e beijar. É um personagem cheio de altos e baixos comportamentais. Em segundos ele é capaz de mudar de humor e jogar coisas na parede, e no seguinte está elogiando um trabalho ou brincando com crianças. E você ao assistir sente que o que ele está fazendo tem uma certa lógica, por mais sádico que seja. Os alunos não o encaram na sala de aula, as pessoas choram quando ele grita. Mas não existe ninguém em sua turma que seja mais ou menos. Ele não aceita mais ou menos.
A gente até tem outros personagens secundários que só servem para ambientar os principais, principalmente Andrew. Um pai que é adorável, mas que tem um filho calado. Uma paquera linda simpática, mas que não tem tanta relevância no geral porque o garoto não abre mão do seu sucesso nem que isso fosse salvar mais pessoas no Titanic. Entenda que ele não é metido, longe disso, é só um menino que trabalha bem pra caralho e quer ser reconhecido. O problema é que o professor que ele idolatra simplesmente acha que ele tem que fazer mais. Muito mais.
Digo que uma das coisas mais chocantes para mim foi ver o quanto Andrew estava disposto pelo reconhecimento de Terrence. Chegava a ser macabro, sabe? Cenas fortíssimas de força de vontade do garoto. E como o filme se passa basicamente entre eles dois, você não perde o foco desse núcleo. São dois atores que trabalham estupidamente bem juntos e que criaram personagens que parecem se amar e se odiar na mesma intensidade, e aqui falo de talento.
A última cena desse filme é a melhor última cena de todos os outros concorrentes ao Oscar. Ela é viva e respira. Sim, a cena respira. A música te leva na energia de Andrew com louvor. Se ele está desolado, você fica. Se ele está vingativo você cruza dos dedos do lado de cá e fica repetindo um mantra de "Vai, Andrew!". Eu quis muito que ele mostrasse do que era capaz. Não tem nenhum acontecimento estúpido nesse final, mas uma cadência emocional e eletrizante entre os dois personagens que não te deixa respirar. Maravilhoso!
O filme concorre nas seguintes categorias: FILME, ATOR COADJUVANTE, ROTEIRO ADAPTADO, EDIÇÃO E MIXAGEM DE SOM. Eu não acredito que ele ganhe o prêmio principal, apesar de ser o único entre eles que não consigo achar defeitos. Se JK Simmons não ganhar esse prêmio de coadjuvante, eu corro ali para pular de uma torre de Dubai. Nenhum dos outros merece mais do que ele. Roteiro adaptado tem muita coisa boa no meio, então não acho que leva. Edição também é considerado um dos prêmios grandes, e se eles ganharem vai ser por conta da música. Além desses acho que merecem mixagem. O som desse filme inteiro é muito foda!
É um filme sobre artistas querendo viver da arte. Não é só difícil no Brasil, e para chegar em qualquer lugar grande demais, é necessário abdicação em excesso e força de vontade acima do real. Ser mais um não te garante nada além disso. Ser uma estrela é transcender o magnífico. Whiplash mostra com resoluta convicção que mente e corpo andam lado a lado o tempo inteiro, e que a loucura é só uma questão de oportunidade para aparecer. Se eu acho que todo mundo é louco, penso que os artistas são loucos e meio.
Como artista, como cinéfila e como adoradora de jazz, eu sinto que provavelmente tirei mais desse filme em termos emocionais do que tirei de todos os outros. Ainda acho que Birdman merece o prêmio pela genialidade do conjunto, e meu coração pertencerá nesse prêmio com O Jogo da Imitação. Mas Whiplash é a mistura mortal de vontade e esforço com o visceral do ser humano. E isso, meus caros, é o que todos nós invejamos o tempo inteiro.