Tiger Lilly e como pegar uma história batida e fazer uma obra prima

Título: Tiger Lilly
Autor: Jodi Lynn Anderson
Editora: Morro Branco
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Sinopse: Antes do coração de Peter Pan pertencer à Wendy, ele pertenceu à menina com penas de corvo nos cabelos...Tiger Lily não acreditava em histórias de amor ou finais felizes, até encontrar Peter na floresta proibida da Terra do Nunca. Diferente de todos que conhecia, ele era impulsivo, corajoso e fazia seu coração bater mais rápido. Mas como líder dos Garotos Perdidos, os mais temíveis habitantes da ilha, Peter era também uma escolha improvável para Tiger Lily. Ainda assim, ela logo se viu arriscando tudo - sua família e seu futuro - para estar com ele.
Com tantas diferenças ameaçando separá-los, o amor dos dois parece condenado. Mas é a chegada de Wendy Darling que leva a menina a descobrir que os inimigos mais perigosos podem viver dentro dos corações mais leais e amorosos.
Da autora best-seller do The New York Times, esse romance mágico e encantador entre uma heroína corajosa e o garoto que não queria crescer vai partir seu coração.

Eu imaginei duas coisas sobre esse livro. A primeira era que provavelmente iria gostar, já que sou aficionada em todo o universo da Terra do Nunca. A outra era que Tiger Lilly, a índia a qual eu não via graça nenhuma na história de Peter Pan, teria grandes chances de mudar meu pensamento sobre ela. Fico feliz em dizer que acertei duplamente. 

Esqueça tudo o que você sabe sobre A Terra do Nunca, Peter Pan, Gancho, os Meninos Perdidos, Wendy e Sininho. O que a autora faz aqui tem o pé em cima da história original, mas é muito mais do que isso. É uma mostra do quão diferente pode ser uma história, ainda que ela seja inspirada em algo que a gente cresceu ouvindo falar sobre. É uma desconstrução de ideia que carregamos desde sempre. 

Não vamos começar esse livro vendo três crianças felizes contando histórias de ninar em seus belas camas londrinas. Vamos ver uma garotinha orfã, que foi acolhida por um dos chefes de uma tribo e que agora é cuidada por ele. Trabalhando duro no lugar onde mora, e sendo prometida a um porco de homem porque foi esse o trato que o pai de criação dela fez ao trazê-la para morar com eles na tribo. 

Esqueça garotas delicadas que estão prestes a crescer e serem tratadas como damas. Aqui a protagonista é uma guerreira desde sempre. Do tipo que bate de frente com garotos e que causa medo ou inveja neles. Que é, de alguma forma, assustadora em muitos sentidos. 

Esqueça uma Sininho que joga pó mágico em cima das pessoas. Aqui a Sininho é uma narradora fiel que acompanha Tiger Lilly e Peter Pan em seus momentos. Que não tem poder algum de mudar qualquer coisa, e que funciona apenas como olhos da história desses dois para a gente. Sou grata a ela por isso. 

Esqueça mãos comidas por crocodilos ou Piratas sem propósito. Aqui o vilão é alguém de fé inabalável, só que nem sempre uma mesma fé funciona para todos os povos. Esqueça Terra do Nunca que se chega atravessando uma galáxia inteira na base do pó magico. Aqui o negócio é muito mais real e tangível, e quase pude acreditar que a Terra do Nunca era uma ilha comum escondida dos olhos simplesmente por uma neblina. 

Só duas coisas aqui são exatamente como na história original: Wendy Darling ainda tem aquele jeitinho cativante de fazer amigos e ser uma "mãe" para os Meninos Perdidos, e Peter Pan ainda é a figura antagônica dele mesmo. Nem bom nem mau. Nem certo nem errado. Vive como se tivesse a capacidade de sentir apenas uma coisa por vez, e segue firme com esse pensamento, não importando quem ele vai machucar no caminho. 

Tiger Lilly é um livro duro, por vezes difícil, mas real de um jeito que não achei que ele fosse ser. Eu senti muito mais personalidade nos personagens tratados aqui do que nos de James Barrie na história original. Aquela ideia onírica e suave aqui é tratada com uma crueldade real. Não que se perca todo encanto da magia, mas a magia aqui não tem nada a ver com poderes sobrenaturais, mas os reais que exercemos sobre as pessoas e sobre a natureza ao nosso redor. 

Terminei a leitura completamente apaixonada pela garota india, e com uma sensação de "deixa estar". Não era o final ideal para uma mente que ainda crê em romances em fantasia, mas era o final perfeito para essa história em específico. Era o final que ela precisava. 

Não tinha como dar outra nota que não fosse todas as possíveis. É um livro sobre possibilidades e que nem sempre precisamos de mágica para tomar decisões e ferrar com as pessoas por causa delas, ou usar a mágica para evitar isso em nossas vidas. Jodi desconstruiu toda a ideia de Terra do Nunca que eu tinha, e ainda que eu sinta que uma parte da minha infância se perdeu no caminho, eu ganhei um tipo extra de força adulta que me surpreendeu porque aconteceu por causa de uma história de criança adaptada por alguém que até um dia desses eu nem sabia quem era. 

Cativante e doloroso. Assim foi essa história para mim. Perfeita em cada pedaço dela.