Resenha de "Uma Praça em Antuérpia" (Luize Valente)

Título: Uma Praça em Antuérpia
Autor: Luize Valente
Editora: Record (Cedido em Parceria)
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Sinopse: Uma Praça em Antuérpia - Após sua estreia literária com O segredo do oratório, sucesso de público e crítica, Luize Valente volta a mergulhar, de maneira ainda mais surpreendente, na história de uma família de migrantes em Uma praça em Antuérpia. Com domínio da narrativa, que vai e volta do ano-novo de 2000 em Copacabana para os anos da eclosão da Segunda Guerra na Europa, Luize reconstitui a desgraça imposta pelo nazismo aos judeus, razão pela qual muitos deles viriam fazer a vida no Brasil. Reunindo sensibilidade pelo drama humano e extensa pesquisa histórica, Luize retrata a chaga do nazismo na miudeza do cotidiano, na intimidade das famílias alemães e europeias, com bárbaros desdobramentos em Portugal, no lar de Clarice e Olivia, de onde a narrativa parte para ganhar o mundo e o Brasil. Acompanhamos a fuga de Clarice e seu marido, o pianista judeu Theodor, por grande parte da Europa, sempre um passo à frente da perseguição nazista, fuga que leva parte da família a cruzar o oceano. Como se não bastasse essa narrativa de tirar o fôlego, Luize presenteia o leitor com um final emocionante e totalmente inesperado.

Não morro de amores por livros sobre guerra. Fato. Não costumam ser ruins, mas existe algo nesse tipo de livro que despedaça meu coração e me leva a um tipo profundo de depressão literária. Provavelmente porque ainda que as histórias sejam ficcionais, todos sabemos que tudo aquilo era não só possível, como provável.

Contudo ao começar a ler Uma Praça em Antuérpia eu não tinha muita noção do que esperar. A sinopse era vaga, e o pouco que tinha lido acerca do livro eram ideias evasivas. Como se a própria autora quisesse que caíssemos de bandeja no meio da segunda guerra mundial propositalmente. E foi o que aconteceu comigo. Já naquele momento não havia possibilidade de retorno. Eu já estava inundada com a vida das protagonistas. 

O início é leve, e tem até um pouco da sensação etérea das paisagens de campo de Portugal. Começa com uma esperança, que logo é quebrada com um acontecimento triste. Uma família despedaçada pela perda de um ente, e lindas gêmeas que passam a ser criadas pela avó, sem um pingo de amor do isolado pai. 

Dessa infância pouco amorosa de um lado, e abundante de sentimento por parte da avó e da natureza que as cercava, nós vamos para mais algumas tragédias familiares isoladas no futuro de Clarice e Olívia. Em seguida uma delas arranja um pretendente e deixa o interior para ficar ao lado do marido na capital, que tem uma mercearia. Logo a outra se junta, reatando o laço que ambas tem desde que nasceram. 

A vida delas dá uma baita reviravolta quando Clarice conhece Theodor, um pianista judeu que toca nas noites de Portugal. É amor a primeira vista. Não sabia a garota que isso seria um passaporte para um momento difícil na Europa, com ela justamente no meio do furacão. 

Ah, uma coisa importante que devo falar é sobre as primeiras páginas, antes de vermos essa natureza das meninas em Portugal. A história de fato começa com uma senhora já no Brasil, revelando um grande segredo para sua neta. Um segredo que será o início da narrativa sobre o passado de Olívia e Clarice, e o que aconteceu as duas irmãs durante esse período difícil. 

Não quero falar mais da história para que vocês não percam o incrível felling que o livro causa no leitor. De início na torcida pelas duas irmãs, e depois no desespero para ver as coisas acalmarem na vida delas. Praticamente o livro é dividido em duas partes, essas mesmas partes que deixam sensações diferentes em quem lê. 

A primeira eu li em um único fôlego. Já a segunda eu procrastinei horrores. Não gosto de narrativas sobre guerra, e ainda que a autora tenha narrado esses momentos sem tanta dor, você sente o desespero de Theodor e Clarice desde o momento em que eles resolvem fugir. Desde que perceberam que os alemães furiosos não estão tão distantes assim da realidade deles. 

Teve um momento na história que me chateei com a autora por ter incluído um personagem que foi retirado muito abruptamente. Eu o adorava e torcia muito pelo cara. Ela faz uma mudança nas decisões de vida de Clarice, e esse personagem some. Peguei-me pensando porque incluir alguém se iria sumir com ele tão precipitadamente? Era quase sem propósito narrativo. Contudo devo dizer que exatamente esse fato isolado foi o que me fez escancarar a boca - literalmente - no final do livro. Eu só conseguia pensar: Gênio! 

Nada. Absolutamente nada no livro de Luize é irrelevante. Pouco crível em alguns momentos, talvez, mas possível. Penso que quase tudo nessa vida é possível, e isso ainda é um livro, logo ela pode criar quantas ideias grandes quiser que ainda assim serão compatíveis com o todo. 

Não morri de amores por nenhum personagem, exceto esse que cito acima. Mas isso não me fez desgostar do livro como um todo, o que é um caso raro para mim. A autora é uma tremenda historiadora, e esse fato fisga o leitor do começo ao fim. Sabe-se o que aconteceu na segunda guerra mundial de modo geral, mas ela veio aqui com casos isolados de famílias inseridas nesse contexto de guerra. Não me senti ofendida por cenas cruéis, e nem emocionalmente tão abalada para precisar fechar e voltar a ler depois. Um livro bem escrito, com dados exatos sobre história, e uma reviravolta muito boa no fim. Aliás, o final do livro é de encher os olhos. 

Apesar de fugir de bombas e gente sofrendo em livros, eu apreciei bastante a leitura desse. Fez com que eu visse possibilidades narrativas discretas e sensacionais em situações aparentemente banais. É um livro sobre perda, reconstrução de vida e esperança. Cada atitude dos personagens é justificável, até aquelas cruéis. 

Se vocês gostam de livros sobre guerra, eis uma pedida maravilhosa.