Dark e porque somos todos um erro na Matrix



E Dark chega ao fim! 

Corações moídos de uma saudade que temporada extra nenhuma poderia dar, porque não foi só o fim de uma série, mas de mundos. 

Não há muito o que se possa falar de Dark sem acontecer de dar spoilers anteriores, ou acabar soltando algo dessa temporada em específico, então se você chegou aqui no escuro sobre a série, sugiro que vá assistir e depois venha conversar comigo. Acredite que ver Dark é uma experiência de vida, e ela vai modificar você. 

Lá na primeira temporada a gente começa vendo um homem se enforcando, e as consequências para a família dele meses depois desse suicídio. Anos depois. Décadas antes e depois. 

Logo em seguida somos apresentados ao que vão ser os núcleos principais da série. As famílias dessa cidade que estão tão enroladas umas nas outras, que talvez elas nem tenham noção disso. Kahnwald, Nielsen, Tiedmann e Doppler, e todos os agregados que se encorporam nessas quatro famílias. 

A primeira temporada tem o foco no desaparecimento de algumas crianças na cidade de Winden, no interior da Alemanha. E não é mistério para ninguém que ela trabalha com viagem no tempo. Então como vamos do desaparecimento dessa gurizada, para a viagem no tempo em si, é a mágica da atmosfera de Dark nesse começo. 

Devo salientar que essa não é uma simples história sobre viagem no tempo. É uma história sobre como a física trabalha ativamente em nossas vidas, e não estou falando apenas de um professor recitando fórmulas por anos na escola. Estamos falando de quem somos, de onde viemos e o que nossa matéria seria capaz (ou não) de fazer com conhecimentos extras. E, além disso, como a física e a filosofia são interligadas em um nó intricado e indissociável.



Pode não parecer que eu esteja falando sobre uma série que deveria distrair nossa cabeça. Acredite, Dark faz muitas coisas, mas a última delas é nos fazer relaxar. A ideia nunca foi essa. Com paradoxos em cima de paradoxos e coisas que nossa mente limitada é incapaz de entender, a série cria uma teia singular e estratégica de embaralhamento de ideias que mesmo que nossa mente não compreenda, elas existem. Não é porque deixamos de entender certas coisas, que elas são impossíveis. E isso é a máxima dessa preciosidade. Quer absorver? Então jamais de limite! Não há ponto final em se tratando do que somos incapazes de compreender. 

A segunda temporada vem como uma ponte para ligar o que conhecemos lá na primeira, os moradores de Winden absurdamente humanos com falhas horríveis, ao final, com as pessoas continuando a cometer as mesmas falhas e erros.

 Se uma coisa eu aprendi com Dark, foi que ainda que vivêssemos em um eterno looping de possibilidades, os erros iriam se reprisar porque somos os mesmos, e repetimos as mesma merdas consecutivamente, já que elas fazem parte de quem somos. 

Não recomendo que desperdice sua sabedoria saltando episódios, achando que eles são maçantes e cansativos. Já disse que a proposta de Dark não é te entreter, mas abrir sua mente e te ensinar a impossibilidade do impossível. Por isso tenha calma, veja com parcimônia e absorva. Pense e reflita sobre cada coisa que você vê aqui. Não é um quebra cabeça difícil, pelo contrário, mas é engraçado como as coisas mais claras, são as que temos tanta dificuldade de compreender. 


Um cenário escuro e depressivo. Um clima tenebroso. Cores sempre frias, tirando o amarelo saturado que acompanha a esperança existente no protagonista. Seja quando ele é Jonas e ainda achava que podia mudar as coisas, ou quando a cor da esperança passa para Martha, ela também achando que isso era capaz. Quando a cor some de ambos, é que eles entendem que não há muito o que se fazer além de seguir com a maré, e é quando a gente também entende que já era. A cor aparece no personagem mais improvável, um relojoeiro que no final das contas era a resposta de tudo o que havia de dark naqueles mundos. 

Devo salientar a primorosidade com que os atores interpretam seus papeis. Como eles tem facilidade de dizer em um olhar simples quando estão com raiva, tristes, felizes, amargurados. Como sentimentos bons são raros aqui e acompanham luzes amareladas, e como os ruins são persistentes e impossíveis de serem isolados. Nenhum psicólogo no mundo daria jeito nessas famílias! 

Não sei se os atores de fato eram bons demais, ou entenderam um roteiro que entregava nos gestos mais do que as palavras, mas eles souberam fazer a coisa funcionar em todos os núcleos, de todos os muitos tempos que eram apresentados, e em todos os mundos existentes. Ou seja, mesmo que a confusão se instale na cabeça quando a gente tenta entender quem é quem e quem fez o que, é indispensável que a gente enxergue que eles entregaram tudo o que podiam. Que os atores passaram a ser os Nielsen, Doppler, Tiedmann e Kahnwald. 




A série cansa. Cansa a cabeça para tentar compreender as tantas associações que o roteiro faz. Cansa porque somos muito limitados a entender conceitos que na maioria das vezes são de fatos só conceitos, e nem todo mundo está preparado para pensar sobre gatos de Schrödinger e como isso é tão filosófico ao mesmo tempo que é físico. Sobre como de "pode ser?" para "pode ser!" é só uma questão de pontuação e semântica. 

Tem uma frase muito conhecida de Hamlet que levo para a vida e replico aos meus filhos. "Há mais mistérios entre o céu e a Terra do que sonha nossa vã filosofia". Acredito na realidade disso, acredito que tem coisas que sempre estarão no patamar da imaginação durante nossa geração. Mas também acredito que foi da imaginação de pessoas em gerações anteriores as nossas que vieram coisas como aviões e computadores. E que jamais devemos limitar e usar palavras como nunca e impossível


Deixo Dark com saudade, mas não com tristeza. A série fez o que muitas não tiveram coragem de fazer: finalizou em um único raciocínio sem encher linguiça para ganhar dinheiro e agradar os fãs. Ela tinha um propósito, ela cumpriu um propósito. E tudo o que ficou em aberto quando falamos de Dark, deixa de importar com a o ultimo plot que a história deu. Ela se resolveu. Finalizou com louvor e manteve a ideia da viagem no tempo sem quebras ou distúrbios no espectador. Ainda é confuso? Claro, caramba, estamos falando de viagem no tempo e efeitos borboleta e coisas do tipo. Mas ainda assim, ela abriu sua cabeça, e se ela conseguiu isso, dane-se todo o resto! 

O que seria da vida vivendo apenas sobre esteiras de tempo regrado e modo consistente? Temos que pular de pontes. Abrir portas. Conhecer mundos e pensar sempre no "e se..." 

Isso é Dark. E nós, somos todos um erro na Matrix.