Resenha de "Não me abandone jamais" (Kazuo Ishiguro)

Título: Não me abandone jamais
Autor: Kazuo Ishiguro
Editora: Cia de Letras
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Sinopse: Kathy, Tommy e Ruth são clones criados para doar órgãos. Tendo esse cenário de ficção científica por pano de fundo, e o triângulo amoroso como gancho, Kazuo Ishiguro fala de perda, de solidão e da sensação que às vezes temos de já ser "tarde demais". Finalista do Man Booker Prize 2005. Kathy H. tem 31 anos e está prestes a encerrar sua carreira de "cuidadora". Enquanto isso, ela relembra o tempo que passou em Hailsham, um internato inglês que dá grande ênfase às atividades artísticas e conta, entre várias outras amenidades, com bosques, um lago povoado de marrecos, uma horta e gramados impecavelmente aparados. No entanto esse internato idílico esconde uma terrível verdade: todos os "alunos" de Hailsham são clones, produzidos com a única finalidade de servir de peças de reposição.
Assim que atingirem a idade adulta, e depois de cumprido um período como cuidadores, todos terão o mesmo destino - doar seus órgãos até "concluir". Embora à primeira vista pareça pertencer ao terreno da ficção científica, o livro de Ishiguro lança mão desses "doadores", em tudo e por tudo idênticos a nós, para falar da existência. Pela voz ingênua e contida de Kathy, somos conduzidos até o terreno pantanoso da solidão e da desilusão onde, vez por outra, nos sentimos prestes a atolar.

Esse foi um dos raros casos em que vi o filme antes de ler o livro. E se ao final do filme me senti fisicamente mal de tão triste que é, ao final do livro entrei numa ressaca horrorosa que durou muitos dias, porque é igualmente triste. E nem foi porque achei o livro genial, mas porque ele fala de temas fortes e que pessoalmente me deixam depressiva. 

A gente conhece a Kathy, que é essa mulher que trabalha como cuidadora. Logo no início você vai entendendo como era a infância dela vivendo em um internato ao lado dos amigos, e o momento em que eles descobrem que são clones. Foram criados unicamente para que seus órgãos possam ser usados por outras pessoas. Sem expectativa de vida alguma além do tempo que o corpo vá levar para definhar depois de tantas doações. 

E aos poucos a protagonista vai nos contando sua jornada desde quando criança até a fase adulta. Tudo o que ela ansiou, tudo o que descobriu e o que sentiu nesse tempo. O quanto pensou em lutar contra isso, e quão inútil era tentar. 

Essa história me faz lembrar muito de A Ilha. A mesma proposta de um grupo de pessoas criadas unicamente para servir as necessidades de outras, quando se ignora por completo que essas pessoas criadas também tem sentimentos. Na ideia de A Ilha, é preciso que se tenha vivências humanas para que o corpo sobreviva e os órgãos tenham utilidade. Acho que a ideia é semelhante ao de Não me Abandone Jamais. Não basta um pulmão criado em laboratório. A diferença é que nesse livro eles sabem disso desde o princípio, e isso gera anos de tristeza e depressão. 

A morte é uma coisa com a qual não lido bem. Em hipótese alguma eu lido bem com ela. Então evito todos os livros que tenham essa temática. Infelizmente não estou preparada para me despedir de ninguém, inclusive personagens de livros. E é muito triste ver que eles estão indo aos poucos. É como se arrancassem pedaços do leitor pouco a pouco, como fizeram com os personagens. 

Ainda que eu adore a ideia do livro em geral, e de como o autor trabalhou com delicadeza tudo isso pelos olhos sensíveis de Khaty, eu achei o ritmo desse livro extremamente lento. Ele não tem picos de acontecimento, e isso cansa pra cacete o leitor. Ao ponto de me pegar dormindo com frequência quando sentava para lê-lo. Isso me fez tirar estrelas dele. Esperei um pouco de luta por parte desses doadores, mas isso não acontece. A luta aqui é interna, e isso gera um desconforto em quem lê. Do tipo... Como deve ser horrível viver sem esperança de nada. 

Enfim, é um livro forte, que levanta questionamentos fortíssimos sobre existência e o que você faria para se salvar e salvar alguém que ama ( e aqui me coloco no lugar de quem receberia um órgão de uma pessoa assim). O quanto somos selvagens em comunidade, ainda que nos julguemos civilizados.