Resenha de "Adultério" (Paulo Coelho)

"E não somos todos animais?"

Sinopse: Minha tristeza se tornou rotina, ninguém percebe mais. Não consigo mais dormir direito. Sinto-me egoísta. Continuo tentando impressionar as pessoas como se ainda fosse criança. Choro sozinha e sem motivo no banho. Só fiz amor com vontade mesmo uma vez em muitos meses – e você sabe bem de que dia estou falando. Já considerei que tudo isso seja um rito de passagem, consequência de eu ter passado dos 30 anos, mas essa explicação não basta. Sinto que estou desperdiçando minha vida, que um dia vou olhar para trás e me arrepender de tudo o que fiz. Menos de ter me casado com você e tido nossos lindos filhos. 

– Mas isso não é o mais importante? 

Para muitas pessoas, sim. Mas para mim não é o suficiente.


Poucas foram as vezes em que tive uma ligação tão forte com uma personagem de livro.
Deveria me sentir culpada por estar me relacionando de alguma forma com uma personagem que é adúltera, o que é socialmente desprezível? Talvez, mas não me senti nem um pouco assim. Na verdade, eu e Linda poderíamos começar um grupo desses anônimos quaisquer por ai, porque, vamos combinar, achei que estava lendo a mim mesma em cada página do livro. 


A premissa é simples, como a grande maioria dos livros do Coelho. Mulher esta casada há muitos anos, tem um bom marido, filhos ótimos, uma casa maravilhosa, um emprego legal. Mas ela está infeliz, e acha que tem algo de errado e egoísta por estar se sentindo tão mal quando deveria se sentir tão bem. Eis que surge um antigo namorado de colégio, e Linda passa a sentir coisas que a deixam viva, como há muito ela não sentia. Claro que todos os sentimentos ruins relacionados a isso aparecem, mas quando a gente está se sentindo bem com alguma coisa, a repercussão ruim disso vai para a descarga do nosso cérebro. 

Posso dizer que mesmo com toda a confusão gerada por esse novo fato na vida de Linda, ela é uma mulher muito centrada e calculista. O autor fez questão de colocar a todo momento o peso das decisões dela. Não é uma adolescente apaixonada, apesar de se sentir uma. Ela traça planos que quem ler vai achar um exagero de errado, mas até esses planos que parecem mirabolantes, são muito bem calculados. Uma mulher cheia de paixão e desejo no corpo de uma jornalista fria e de movimentos bem pensados. 

Os livros de Paulo Coelho sempre são aqueles que tem a força na poesia e na filosofia da situação, e não propriamente nos acontecimentos. Acredito que por isso muita gente irá odiar Adultério. Além de que, ele trata de algo que as pessoas abominam, apesar de ser tudo tão comum e real nos dias de hoje. 

Uma coisa é você ler um livro sobre um personagem que trai e se sente péssimo e chora pelos cantos. Isso é socialmente aceitável. Outra coisa é você criar uma "mulher" que gosta do que está fazendo. Que se sente bem até quando o resultado da situação é ruim fisicamente para ela. O fato de transgredir regras é uma explosão de adrenalina no corpo de alguém que está casado a tempo suficiente para esquecer como é quebrar a linha do "ideal". A sociedade tende a achar mais correto um homem trair do que uma mulher, mesmo que ninguém diga isso em voz alta. É machista, eu sei, mas é o que acontece. 

Tem uma passagem do livro onde uma personagem está conversando com Linda sobre a coisa do biológico na traição. Ela fala que nascemos com o intuito de nos reproduzir, e que o homem só precisa de alguns minutos para "engravidar" alguém, e a mulher precisa de nove meses para que esse acontecimento se concretize. Então enquanto uma mulher está concentrada em ter um filho em uma única transa, o homem está em fazer vários em várias mulheres diferentes. Sei que isso pode parecer idiota, mas á ciência. É real e todo mundo sabe disso, só camufla. Por mais maravilhoso que seu marido seja, talvez em algum momento ele vá olhar para o lado, o que é natural. Talvez em algum momento a oportunidade de transgredir as regras surja, e ai meu amigo, o negócio começa a ficar estranho. O fantástico desse livro é que Coelho criou esse mundo com uma mulher invés de um homem, e tudo pareceu se encaixar na minha cabeça. A traição é algo biologicamente natural e socialmente desprezível. Se não fossem as regras da sociedade, talvez ninguém fizesse cena com o fato do ser humano se sentir atraído por outros.

Muitas das coisas que Linda pensava, era o que eu também pensava, mesmo as mais escrotas. Tenho essa facilidade de me adaptar a um pensamento quando ele interage tão bem com o meu. Ela só queria sentir, e isso é a máxima do livro. Quando se está em uma rotina de muitos anos, você só precisa de algo que o faça sentir de novo. E dai a gente pensa... Terapia, uma viagem em casal e tals. Ahhh, mas o autor pensou nisso também. Tem uma cena lindíssima dela com o marido tentando algo novo, e Linda percebendo que sair de viagem com o marido pode não ser a novidade que ela precisava, ou que achava que seria. em coisas que não dá para mudar. E dai de onde menos se espera vir a adrenalina, ela vem. Fantástico! 

É uma personagem complexa, de uma veracidade incomum em comparação a maioria dos livros que já li, e por isso, detestável para muitas pessoas. Vou dizer que quase ninguém vai gostar de Linda. Por ela ser confusa, por as vezes divagar coisas que talvez a gente nunca vá entender. Por ela trair um marido maravilhoso com alguém que não é um exemplo de perfeição. Ela dificilmente agradará o leitor, mas ela me agradou porque é verdadeira demais, e sou eu demais. Teve momentos de odiar a Linda? Sim. Mas foi só o tempo de ver que eu faria coisas parecidas em determinadas situações. Somos bichos mesmo, e Adultério foi o que colocaram no papel para provar isso.

Não é um livro que você vá ler correndo. Você precisa degustar cada linha de Adultério como se fosse uma comida que amarga na entrada, mas que adoça na boca do estômago. Muita gente vai apontar e dizer que tudo isso é uma baboseira, ou não. Pessoalmente acho que o autor bebeu pra caramba de conversas com várias mulheres casadas pelo mundo para poder escrever Linda. Porque mesmo que essas mulheres não façam o que Linda fez, em algum momento isso passou pela cabeça delas, e se não passou, vai passar. Mesmo em um lampejo estranho e enjoado que depois vá se tornar culpa e medo, e apague da memória o pensamento errado. Mas ele esteve lá. 

Tem estômago para digerir o errado? Então leia Adultério.