"Em Choque"
Sinopse: Ela é doce, sensível e extremamente sofrida: tem dezesseis anos, mas a maturidade de uma mulher marcada pelas provações e privações da pobreza, o pulso forte e a têmpera de quem cria os irmãos menores como filhos há anos, e só uma pessoa conhece a mágoa e a abnegação que se escondem por trás de seus tristes olhos azuis. Ele é brilhante, generoso e altamente responsável: tem dezessete anos, mas a fibra e o senso de dever de um pai de família, lutando contra tudo e contra todos para mantê-la unida, e só uma pessoa conhece a grandeza e a força de caráter que se escondem por trás daqueles intensos olhos verdes. Eles são irmão e irmã. Mas será que o mundo receberá de braços abertos aqueles que ousaram violar um de seus mais arraigados tabus? E você, receberia? Com extrema sutileza psicológica e sensibilidade poética, cenas de inesquecível beleza visual e diálogos de porte dramatúrgico, Suzuma tece uma tapeçaria visceralmente humana, fazendo pouco a pouco aflorar dos fios simples do quotidiano um assombroso mito eterno em toda a sua riqueza, mistério e profundidade.
Eu poderia simplesmente chegar aqui e escrever algo do tipo "Esse foi um dos livros mais chocantes e maravilhosos que já li na vida". Isso bastaria para fazer vocês entenderem o quão incrível Proibido foi para mim. Mas não me sentirei feliz em não esmiuçar o que senti durante essa leitura, e o tanto de tempo que precisei, depois de fechá-lo, para conseguir arrumar minhas ideias e vir contar para vocês o porquê acredito que precisam ler este livro.
Como sempre, faço os eventos de literatura aqui da cidade com o Felipe, do Oh My Dog, estol com bigods. Fizemos vários até então, e estamos tão acostumados a trabalhar juntos, que quando ele e a Valentina combinaram esse evento para falar de "Passarinha", "Fale", "Proibido" e "Graffit Moon", o lindo nem cogitou a possibilidade de fazer sem mim, mesmo eu não sendo parceira deles. Então fiquei encarregada de ler sobre Proibido, o que achei ótimo porque já estava na minha lista. Acabei de ler numa quinta e o evento foi no sábado. Acredito que falei tanto naqueles minutos sobre esses sentimentos conturbados que tive, que agora ficou tenso para conseguir lembrar de tudo para colocar aqui. Mas vou tentar.
Lochan é um adolescente de dezessete anos, estudioso, mas que tem sérios problemas para se relacionar com pessoas fora do contexto familiar. Para ele apresentar trabalhos na frente da turma é impossível, e conversar com alguém é doloroso. Irmão mais velho de cinco, ele toma as rédeas de cuidar dos mais novos, já que a mãe é uma completa maluca que quando não está trabalhando, fica com o namorado, e passa dias sem pisar em casa. Ele é o irmão mais velho, pai, mãe e qualquer coisa que essas crianças precisem que ele seja. Cuida das roupas, comida, lição de casa, doenças, regras e tudo o que um menino de dezessete anos não deveria precisar fazer.
Maya tem dezesseis e é a segunda no comando da casa. Quando Lochan está muito cansado ou precisa mesmo estudar, ela toma conta das crianças e de todo o resto. Eles são muito unidos. Daquele tipo de união que você não precisa dizer nada para a pessoa saber o que você está pensando.
Kit tem treze anos, e é um adolescente no sentido real da palavra. Tem birras, se comporta mal, chega fora do horário e arruma confusão onde não precisa. Tiffin tem cerca de dez e um capetinha. Desse tipo de menino que se der um chocolate, fica pulando pela casa até não aguentar mais. Willa tem cinco e é o xodó da família. Uma menina doce que sempre tem necessidade da presença de pessoas ao seu redor, e que sente bastante saudade da mãe.
Lochan e Maya tem a difícil missão de ajudar e controlar os mais novos. Além de lidar com pouco dinheiro para sobreviver, e evitar a todo custo o serviço social, que facilmente pode separar os irmãos se souber que eles estão se criando sozinhos. E como Lochan tem essa psicose com todas as outras pessoas do mundo, ele se vira nos trinta para dar conta de tudo sem ajuda da mãe.
É assim, se comportando como pais dos mais novos, que Lochan e Maya começam a perceber que o nível de intimidade que eles tem é maior do que a que dois irmãos deveriam ter. E é exatamente quando começam a perceber isso, que o mundo deles começa a mudar, e o que parecia ser uma vida complicada, fica mais difícil ainda.
Depois que acabei esse livro eu fui ler mais sobre esse lance de incesto, e aprender sobre a definição social da situação em si. Li bastante escritos de um antropólogo chamado Leví-Strauss, com o livro As estruturas elementares do parentesco; como também li Freud e todo o complexo de Édipo que pôs nome e trouxe para o ramo da psicologia algo que antes era puramente cultural.
Hoje temos uma percepção de incesto muito diferente do que se tinha no início dos tempos. Todo bom curioso sabe que na idade antiga, e até na idade média, era comum as famílias terem relacionamentos de nível sexual dentro do seio familiar. Quantos casos se sabe de reis que queriam manter o trono na família e colocavam as filhas no lugar das rainhas quando estas morriam? Vários! Esse lance de endogamia era comum na época porque eles não queriam abrir suas fronteiras para desconhecidos.
O engraçado é que o mesmo motivo da prática de endogamia, foi o responsável por casamentos entre tribos diferentes, ou seja, a necessidade de comercio entre elas. Então foi a política e o dinheiro que levou a rotularem o casamento dentro do mesma família como errôneo. Claro que existe algo de religioso na concepção de que incesto é errado, pense que bagunça ficaria na cabeça das pessoas! Os pais eram pais e maridos. Filhos eram netos e filhos... acabariam totalmente os rótulos familiares! Isso geraria uma espécie de barbárie social indiscutível. De acordo com esses escritos que li, a ordem de estrutura familiar existe para que as pessoas comecem a andar com suas pernas depois de se tornarem responsáveis biologicamente e financeiramente por si mesmos. Mas e quando não existe estrutura familiar, como é o caso da família de Lochan e Maya? Será que dá para julgar o tipo de relacionamento em que eles se inserem?
Olha, eu sou a pessoa mais mente aberta que conheço, e tive vários momentos de ter que fechar o livro porque não conseguia absorver a situação. Tentava me colocar na pele de Maya e Lochan, pensando se conseguiria ter algum relacionamento carnal com meu irmão, e lógico que senti vontade de vomitar. Eu e ele nos amamos, mas somos irmãos e brigamos metade do tempo, mesmo com a diferença de doze anos de idade dentre nós dois. Não consigo me imaginar nem abraçando ele tempo suficiente, quanto mais num relacionamento. ARGH! Então para mim era sufocante ler um livro onde isso acontecia, ainda que os protagonistas agonizassem metade do tempo por esse motivo. Eles não queriam sentir nada um pelo o outro, e sofriam mesmo com isso. Posso julgar eles? Poxa, não tiveram tempo de ser irmãos. Não puderam brigar como irmãos porque do contrário Willa poderia ficar sem comida, ou Tiffin sem supervisão. Eles eram os pais dos garotos, e em algum momento a parede que separava a definição de irmãos seria quebrada, mesmo que não quisessem.
Lochan era um cara fudido. Você sente a densidade do personagem muito antes dele perceber qualquer coisa sobre Maya. Ele é homem demais para a idade dele, e as vezes achava que ele queria explodir justamente por isso. Ele foi - de longe - meu personagem predileto justamente porque eram as falhas dele que o tornavam maravilhoso. Ele errava tentando acertar. Tem coisa mais digna do que isso? Tem coisa mais adulta do que isso? E, caraca, ele não deveria precisar ser adulto. E isso era o que mais me dizia durante a leitura. Queria colocar os cinco nos braços e dizer que tudo iria ficar bem, principalmente os mais velhos.
Um ponto importante na história é que ela se passa em Londres, e lá o incesto é crime ainda que seja consensual. Então vamos imaginar que se em algum momento Lochan e Maya fossem pegos juntos, ambos seriam presos. E o que aconteceria com os mais novos? Separação, lógico! A todo momento as escolhas dos dois adolescentes são motivadas pelo bem estar dos três mais novos. São personagens de uma doação incrível! Eu babava nas decisões que tomavam, mesmo que quisesse brigar com eles por elas.
E quando eu acho que a autora me chocou o suficiente com a coragem que teve de escrever um livro onde metade do mundo chamaria de heresia - e eu chamei de talento - ela joga um final que vai querer fazer você apagar a tinta desse livro inteira. Que vai fazer você desejar nunca ter lido, ou ter lido com o número da autora do lado, pra poder dar uns gritos depois. Achei ruim? Não, achei digno. Mas quem disse que dignidade sempre vem com conforto?
Qual a linha que separa o amor de irmão para o amor de amante? O desejo e a intimidade. Se você sentisse ambos, realmente acharia um crime? Sentir é um crime? Esse verbo que pede transitividade pode ser considerado tão errado? Eu realmente acho que não. Claro que socialmente é tenso pensar sobre isso, até porque a sociedade rotulou incesto sempre como algo agressivo. Mas e quando é consensual? Quando a outra parte também quer? Pois é... Essas dúvidas irão passear na sua cabeça durante toda a leitura, e no final dela você ainda não terá uma posição sobre isso. Porque mesmo que você concorde com Lochan e Maya em alguns momentos, em outros você vai achar que será o fim do mundo. Imagina se fosse na sua família. Imagina isso na sua grama. Só imagina, e depois vem me dizer se os pre [conceitos] não voltam com tudo.
Isso é Proibido. Um dos livros que mais amei na minha vida, e certamente o que me deu mais asco. Incrível como a linha que separa as duas coisas é tênue, não é?!
Perfeito!