Resenha de "Tolkien, o Senhor da Fantasia" (Michael White)






“J.R.R. Tolkien, o Senhor da Fantasia” reconta a vida de Tolkien, autor de clássicos como a trilogia O Senhor dos Anéis e O Hobbit, e considerado um dos maiores autores de fantasia de todos os tempos. A biografia acompanha a vida e a trajetória do escritor, começando por sua infância na África do Sul, seguida do retorno da família para a Inglaterra. Os Tolkien estabeleceram-se em Birmingham, cidade que passava por uma rápida industrialização nos anos 1890, mas ainda era cercada por uma paisagem de tirar o fôlego. Este cenário que reunia e mesclava o coração industrial do Império britânico próximo a bosques e montanhas idílicas e selvagens foi determinante para as ideias e a escrita de Tolkien.


Quando eu li O Senhor dos Anéis pela primeira vez, era uma menina tão sonhadora que tinha sérios problemas para colocar meus pés no chão. E apesar de já ter lido todas as grandes e épicas fantasias que uma criança poderia gostar, nunca me senti realmente nelas. Talvez um pouco em Wonderland, ou Neverland e todos esses "lands" que não sou capaz de lembrar. Contudo era só um pouco, e por um breve tempo. Mas no momento em que bati os olhos no Condado, enquanto Bilbo Bolseiro preparava a festa que causou um reboliço no lugar, fui fisgada. E não fisgada do tipo 'me conquistou', fui fisgada do tipo 'jamais quero sair daqui". E de fato, acho que nunca sai. 

Existem muitas biografias de Tolkien por ai, mas no Brasil só me lembro de ter visto essa escrita pelo White, que talvez não seja o melhor autor do gênero para falar sobre a grandeza de Tolkien, mas que soube conduzir o livro de uma forma que soubéssemos quem ele era e a repercussão que causou no mundo quando começou a fazer sucesso. E mesmo eu, que não sou apaixonada por biografias, tive que tirar essa da livraria. Isso tudo apenas por ser Tolkien, o único autor que eu tenho certeza que pagaria qualquer coisa para conhecer - se estivesse vivo, claro. 

White começa narrando sobre a vida dos pais de John (Tolkien). Viveram na África, mas voltaram para a Inglaterra, pelo menos a mãe e as duas crianças voltaram. O pai de John não teve muita sorte de se manter vivo, e os deixou bem cedo. Tendo que sustentar dois filhos sozinha, e com pouco dinheiro, a mãe deles sofreu um bocado por isso, principalmente quando a família lhes deu as costas, simplesmente por ela ser católica, e não protestante, com a maioria das pessoas do país. Esse pequeno fato separatista da família, causou um forte amargor em Tolkien, que mesmo depois de velho, seguiu a religião da mãe com afinco, não se rendendo ao "mais do mesmo" dos outros. Era um homem orgulhoso, e talvez essa seja a característica mais forte sobre ele. 

Estudou em colégios bons durante toda a vida, obra de Mabel, sua mãe, que sempre corria atrás do melhor para os filhos. Fez uma faculdade prestigiada. Era um bom aluno, tinha vínculos incríveis por lá, e cultivava a afeição dos professores e um fascínio enorme por línguas antigas. Já na época criou os primeiros grupos de estudiosos, e perdeu a maioria deles por causa da guerra. 

John não conseguiu ficar alheio ao que acontecia no resto do mundo, mesmo que não quisesse participar. Não tinha o espírito heroico da maioria dos seus amigos. E enquanto eles iam para o front, Tolkien continuava os estudos na faculdade. Mesmo assim acabou indo também, mas não se demorou muito por conta de uma doença que pegou por lá. John viu a guerra, teve grandes ideias nela, mas não viveu seus horrores como a maioria dos outros soldados. Ele ia e vinha mais do que ficava. E a isso eu digo que teve um dedo divino. Tolkien não ficou em guerra porque adoeceu. Uma coisa tão banal, mas acabou o afastando de toda a loucura do mundo, e o fazendo se concentrar nas guerras fantasiosas que existiam dentro dele. 

Nesse vai e vem ele já estava com Edith, sua esposa, que era pianista e mais velha do que ele. Eles se conheceram ainda novos, quando ele  e Hillary, seu irmão, ficaram morando por um tempo no mesmo alojamento onde a jovem morava. Juntos tiveram quatro filhos, que eram a felicidade do escritor. E foi nesse período complicado da vida deles, quando John já era professor, mas ganhava pouco, que O Hobbit saiu. E sim, para aqueles que não sabem, O Senhor dos Anéis surgiu por causa de O Hobbit. Tolkien queria publicar Silmarilion, mas os editores queriam uma continuação da história dos hobbits. Uma continuação que durou vinte anos para ser concluída. 

Uma coisa bacana e que White fala muito em um capítulo só para isso, é da amizade entre Tolkien e Lewis, o fantástico escritor de As Crônicas de Nárnia. Enquanto o professor Tolkien era sério e contido, Lewis era um boêmio inveterado. Morava com uma ex viúva e tinha as ideias mais calorosas entre os grupos de amigos que se juntavam para debater seus escritos. E ai vem uma parte da vida de Tolkien que me fez repensar o homem divino que eu achava que ele era. Tolkien era extremamente ciumento! E no livro White fala muito sobre esse ciúme em relação ao melhor amigo, Lewis. O escritor de Nárnia não nasceu para ser melhor amigo de um homem só, mas Tolkien não via isso, e o fato provocou muitas brigas entre eles, a ponto de a amizade ser ameaçada e eles se distanciarem com o tempo. 

Tolkien foi mesquinho com Lewis. Enquanto Lewis escrevia maravilhas sobre os livros de Tolkien, esse, por sua vez, sempre tinha críticas ácidas acerca de As Crônicas de Nárnia. Era o orgulhoso professor falando. Mas Lewis tinha muito o que agradecer a Tolkien. Antes da amizade deles, Lewis não acreditava em Deus, Então podemos dizer que Tolkien foi o responsável pela religiosidade do outro, e em consequência, pelas Crônicas de Nárnia, já que todos sabemos o quanto de ideias e metáforas cristãs existem naqueles livros. 

Se vocês me deixarem, vou passar o dia aqui lembrando de cada detalhe da vida daquele homem. Juro que consigo lembrar mais da vida dele, do que do comi na noite de ontem. O fato de ser apaixonada pelo trabalho de Tolkien antes de conhecer tudo o que poderia sobre ele, tornou mais fácil a leitura. Tinha coisas que já sabia, mas não entendia a profundidade; e tinha coisas novas as quais eu agradeço muito a White por ter me mostrado. 

Era um homem comum, escrevendo livros no tempo vago e dando aulas para alunos vigorosos. Um cara com um mundo inteiro dentro da cabeça e que conquistou um outro mundo quando conseguiu por aquilo no papel. 

Meu olho sempre enche de lágrima só de pensar na Terra Média. Digo e repito sempre por aqui que o que ele me deu, mesmo sem nem saber que eu existia, foi grande demais até para meus moldes sonhadores. Não tem nada dele que eu leia e não me apaixone. Eu sou uma Tolkienmaníaca com orgulho! Não existe escritor que eu queira conhecer nesse mundo, porque meu escritor predileto vive em outro mundo, em um buraco no chão, onde vivem os hobbits. Fumando cachimbo e fazendo desenhos com  a fumaça. Esperando Gandalf, e quem sabe, até eu mesma para um chá. Porque os hobbits são criaturinhas hospitaleiras e fantásticas. 

Não tem como achar ruim a história de vida de um cara que passei 2/3 da minha vida amando de coração. Ler a biografia só provou que ele era humano, o que o torna mais incrível ainda. Então talvez você não goste do que vai ler, mas eu adorei com todas as minhas forças.