A Tecnologia da escrita


A globalização deveria alavancar a civilização, e não estou aqui dizendo que ocorreu o contrário, só que a globalização nos fez perder coisas que antes eram vitais. É como aquele osso que durante milênios de evolução humana, desapareceu por falta de uso. Assim é com a escrita, a tendência é desaparecer por falta de uso. A diferença, é que não foi preciso milênios para essa evolução tecnológica se adiantar tanto, apenas alguns anos. Poucos anos.

Não me considero velha, mas lembro exatamente de quando usava Videocassete. Telefone só conhecia aqueles que giravam o mostrador. Vim saber o que era um celular já adolescente, e de lá para cá ele diminuiu de tamanho ficando compacto, e aumentou de tamanho substituindo computadores, algo que também só vim conhecer depois.

Hoje em dia considero que digito quase tão rápido quanto penso. O que é ótimo! O punho não tem essa proeza. Sempre digo que escrita à mão é poesia, é uma memória de um passado, é mágica. E quem irá me dizer que no futuro as crianças não vão achar mágico saber escrever na mão? Já encontramos máquinas de escrever em museus. Será que um dia encontraremos canetas?

A globalização amplia nossa capacidade de conseguir fazer mais coisas em menos tempo. A internet torna-se uma arma de isolamento social e, de alguma forma, do esquecimento da memória de uma época não tão distante. Somos quase que fundidos nessas máquinas nos tornando parte fundamental de um processo resultante do capitalismo e sua necessidade de produzir.

Ninguém manda mais cartas de amor, os e-mails são mais práticos de escrever, e ainda mais práticos de consertar, nada de rasgar e começar tudo de novo. E onde está a beleza disso? Na verdade não sei, mas enxergo a praticidade, e de acordo com o nosso novo século “tão” tecnológico, praticidade é sinônimo de inteligência.

Escrevo esse texto pensando na música “Another Brinck in the Wall”, de uma banda chamada Pink Floyd. A parte que nos interessa diz algo assim:

“Não precisamos de nenhuma educação
Não precisamos de controle mental
Chega de humor negro na sala de aula
Professores, deixem as crianças em paz
Ei! Professores! Deixem essas crianças em paz!
Tudo era apenas um tijolo no muro
Todos são somente tijolos na parede”

É no que penso quando lembro que estamos nos incorporando a essas máquinas. Quando estamos sendo todos produtos de uma tirania invisível da modernidade.

Dizer que no futuro os e-books irão substituir os livros é fácil, mas antes de me fazer aceitar a ideia, que tal me dar uma palavra na minha língua que substitua “e-books”, porque existe uma palavra na minha língua para a parte física disso, e ela é sonora, deliciosamente sonora.

Pode parecer exagero, mas a escrita nos identifica como algo mais do que “apenas um tijolo no muro”. Não quero morrer sabendo que tudo que produzi está em fonte Arial, tamanho 12, porque isso todo mundo sabe fazer. Eu quero uma identidade visual, eu quero a magia do antigo, do que hoje se chama de desnecessário.

Minha letra nunca foi feia, mas anda ficando pior. É como se os músculos dos meus dedos não mais obedecessem a minha vontade de escrever algo legível. Estou atrofiando, estou simplesmente apodrecendo essa parte em mim. A evolução está cortando uma parte minha que pouco uso, e apesar de entender, me sinto traída e enganada por isso.

Não posso impedir a tecnologia de avançar, afinal, preciso me adaptar ao mundo em que vivo, mas não quero ser aquele tijolo de aparência igual a você, ao meu vizinho, ao meu pai. Gosto de ser o tijolo de pedaço quebrado, de cor enferrujada. Sei que ele se destacará como o feio, o antigo, mas sei que ele se destacará.


Alienação não é mais uma questão de escolha, e sim de evolução. Você pode achar que tem outra opção, mas pense bem sobre isso, pense muito bem sobre isso. Uma hora você cansa de nadar contra a maré e se junta aos peixes e tijolos que vão com a correnteza.