Construção de personagem (Parte 2)

Laranja mecânica


Essa é a segunda parte da postagem sobre construção de personagens (Essa é a primeira parte). Era para ter dado continuidade a esse conjunto de postagens sobre escrita que formavam o manual do escritor, contudo vários fatores acabaram me levando para longe até das minhas próprias histórias, mas como agora estou de volta nelas, senti na obrigação de continuar. Então vamos lá.
Como disse na outra postagem, eu sempre pego fotos de atores, ou músicos ou qualquer foto que eu acho que condiz com o personagem para escrevê-los. Muitas vezes escolho a foto e a partir disso tenho a ideia, e outras tantas eu crio o personagem e acabo achando uma foto que se identifica com ele. E é justamente desse ponto de partida que começo a postagem de hoje.

Como vocês sabem cada pessoa é única. E do mesmo modo que somos diferentes e complexos, nossos personagens também tem que ser. O que não é difícil construir, porque todos nós conhecemos alguém que é chato ou mimado ou risonho e elétrico. Sempre que pensamos em alguém que tenha a cara da nossa história pensamos em pessoas que já vimos. Se tivermos aquele amigo que sempre solta uma piada de humor negro no momento mais inoportuno e achamos que aquilo podia funcionar numa história, então usamos.
Parece fácil né? Mais na verdade é muito maior do que isso.

Claro que aquele nosso amigo palhaço na nossa frente é uma coisa, mas em casa ele pode ser submisso e sério, ele pode ter apanhado muito do pai quando criança e ter visto a morte de perto, perto demais, e justamente por isso, ele pode ter criado como uma forma de defesa essa coisa de ser engraçado.

Ser um escritor e montar personagens exige muito do nosso lado psicólogo. É preciso ser muito observador de pessoas para que os seus personagens tenham vida própria e para que sua história possa respirar sem que sejam necessárias bombas nucleares e espiões ultrassecretos envolvidos com prostitutas. Os personagens tem vida própria, tem voz. E não estou falando de falas com travessões. Para que realmente seu personagem toque alguém é preciso que ele se comunique com o leitor mesmo quando não esta falando.
Batman


As atitudes, gestos e intenções são muito mais precisos como explanador de alguém do que as coisas que as pessoas dizem. Se você esta escrevendo uma história em terceira pessoa então tem que ter muita atenção a isso. São os gestos dos seus personagens que vão fazer quem ler odiá-los ou ama-los.

E como faço para começar?
Simples: Comece.



Não fique sentado esperando que ele esteja completamente formado na sua cabeça para depois escrever sobre. Faça. Escreva qualquer coisa, comece com coisas bobas como aparência física ou parentesco, com quem vive e se gosta de animais.
Como se faz para facilitar?

Eu tenho um método bastante eficaz para isso. Criei uma tabela em um arquivo do word onde tem todos os dados que quero colocar no personagem. Uso esse mesmo arquivo sempre. Tenho vários deles preenchidos de acordo com o rompante de criatividade que tive no momento.
Se vocês quiserem uma cópia do arquivo posso envia-lo por e-mail. Basta escrever para: actb17@yahoo.com.br solicitando que enviou para vocês.

Mas se vocês quiseram criar sua própria tabela tenho algumas dicas que podem ajudar.
Enquanto passeava na internet, há algum tempo, vi um site onde João Nunes montou uma matéria bem parecida com essa nossa de hoje, e ele dizia que para se obter um bom personagem temos que criar uma radiografia dele.

ra.di:o.gra.fi.a
 
Substantivo feminino.
1.Técnica ou processo de obtenção de imagens, em que se faz incidir sobre uma superfície sensível os raios X que atravessam um corpo, permitindo a visualização do interior deste.
2.Registro da imagem assim obtida.
3.Fig. Análise em profundidade duma situação, etc.
§ ra.di:o.grá.fi.co adj.

Então montaremos uma imagem dele baseado em características físicas, sociais e psicológicas. Lembrando sempre que isso se dá através de observação e vivência com pessoas reais. Seus personagens são sempre pessoas reais, só que compiladas por 
você.
Sobre Meninos e Lobos


Características físicas


Piratas do Caribe
Claro que isso não é cinema, e quando pensamos nas características físicas dos nossos personagens, às vezes parece insignificante. Mas sempre, em algum momento, você falará a cor dos seus olhos OU/E o jeito que seu cabelo fica quando o vento bate ou quando é atingido pelo sal da água do mar. Algumas características físicas são essencialmente importantes numa história, porque muito do que retratamos fisicamente tem haver com o social. Uma pessoa que cresceu em uma família pobre, que não teve alimentação suficiente, dinheiro para plano de saúde nem para cremes e cabeleireiros certamente terá uma aparência mais degradante do que uma que teve tudo do bom e do melhor. Não é hipocrisia gente, é fato! Já imaginou Fabiano de Vidas Secas, gordo e de pele branca? Não seria realista, e passaria uma resposta errada para o leitor.
Então o que deve ser observado?

Eis os fatores que costumo colocar na minha tabela:
· Raça (Partindo da origem. É branco? Negro? Aparência indígena?)
· Sexo (Masculino e Feminino)
· Idade
· Constituição física (Magro, alto, gordo)
· Saúde (Saudável, doenças físicas ou mentais)
· Cor de pele, olhos, cabelos
· Postura (Como anda. Se faz parecer que esta chegando ou se é invisível)
· Aparência física (Barba, unhas longas, cabelos longos ou curtos)
· Traços marcantes (Maquiagem, cicatrizes de acidentes ou cirurgias)
· Defeitos (De aparência. O que o personagem não gosta dele ou é bem exagerado)

WALL-E


Características sociais



Apocalypse Now
Essa no meu ver é a parte mais gostosa de fazer. Deve ser a primeira a ser construída se o foco da sua história for: sobre quem você esta falando.
Deve-se pensar que o contexto social no qual o seu personagem esta inserido vai determinar que tipo de aparência ele apresente e como vai ser a visão dele de mundo. No universo cinematográfico isso se apresenta numa clareza estúpida. Certamente se você é um bom leitor também será um bom apreciador do bom cinema, e é no cinema que tiramos muito para usar durante essas criações.
Analisar as características sociais exige muito do escritor porque vai ser o backstory – A história de vida – do personagem.

Outro ponto importante nesse quesito vai ser a escolha dos nomes. Aqui tem que se tomar cuidado com nomes parecidos. Numa história onde os nomes são repetitivos sem que seja de modo proposital, a confusão na mente de quem esta lendo é lógica, fazendo-se necessário voltar nas páginas para se identificar e distinguir de quem esta se falando.

Veja o que se deve prestar atenção enquanto características sociais:

·         Naci­o­na­li­dade (Brasileiro, Americano)
·         Nome (Sempre escolho nomes depois de muita pesquisa de significados e numerologia. Nomes contam muito também)
·         Classe (Alta, média, baixa)
·         Edu­ca­cão (Terminou os estudos, qual matéria tem aptidão)
·         Ocu­pa­cão (Trabalho)
·         Ambi­ente familiar (Muito importante também. Quem são as pessoas da família, como elas são. Se mora com os familiares ou não)
·         Reli­gião (Qual religião.Se é praticante ou não)
·         Opções polí­ti­cas (Participante da política? No que acredita em termos políticos)
·         Rela­ção com a comunidade (Vizinhos. Que ambientes anda, com quem convive e amigos)
·         Hob­bies (O que faz e o que gosta de fazer nos tempos vagos)
Juno

Características psicológicas:

Silêncio dos inocentes
Essa parte é fácil quando o escrito é em primeira pessoa. Com isso você pode esmiuçar o máximo que puder o seu personagem. Já quando é em terceira pessoa o foco total para observação de caráter fica a cargo de atitudes e falas. No fundo, são essas características que moverão a história, porque é com elas que sabemos que atitudes e que rumos o protagonista tomará a partir de coisas que vão acontecendo. Cuidar do psicológico de um personagem é bastante tenso. Você meio que tem que sair do seu corpo e pensar como ele pensaria em todos os momentos da história, e com isso ter muito cuidado para não colocar ações e pensamentos seus quando deveriam ser os dele. Com certeza é o mais difícil de fazer por tomar muito tempo.
Vejamos algumas coisas a se analisar, e com isso ter um ponto de partida observatório e guia antes de traçar o curso do personagem em um determinado momento:

·         Qua­li­da­des (O que seu personagem julga que tem de bom de acordo com padrões morais)
·         Defei­tos (Quais são, de acordo com os mesmos padrões, os defeitos dele)
·         Soci­a­bi­li­dade (Como ele interage com estranhos e com pessoas próximas)
·         Com­pe­tên­cias (No que ele é bom fazendo. Qual o diferencial dele)
·         Sonhos (Podem ser coisas que nunca acontecerão, mas que ele pensa como seria)
·         Ambições (O que –na real- ele quer da vida)
·         Medos (Quais seus pesadelos)
·         Frustrações (O que frustra ele. Foi porque ele não conseguiu ou porque não depende dele?)
·         Tem­pe­ra­mento (Calmo, explosivo...)
·         Opções sexu­ais (Heterossexual, homossexual ou bissexual)
·         Padrões morais (O que para ele é aceitável e o que não é)

Meninos não choram

Um modo interessante de fazer um exercício usando as características acima é criar uma biografia. Escrever a vida do seu personagem num resumo. Isso ajuda você a exercitar quem ele é, o que acontece quando ele cresce e quem ele se tornará no futuro.

Outra coisa importante quando o assunto é personagem: Cuidado com a quantidade que você usa.
Cada personagem tem que fazer sentido na história. Ele tem que ser importante. Se você deu um nome e uma ação a ele numa história, ele tem que ser destrinchado. Senão, quando o livro acabar, as pessoas ficarão se perguntando o que aconteceu com aquele personagem e pode ser que sua história fique sem fim porque você não deu os devidos destinos a todos. Muitos personagens atrapalham quando não se sabe usar todos eles numa posição necessária na história.

E, a última coisa. Gente, se vocês estão escrevendo sobre um casal que virá a se apaixonar, lembre-se quem eles têm que ter química. Que apesar dos defeitos, eles têm que se completar. Não existem pessoas perfeitas, e vocês tem que pensar em pessoas imperfeitas que combinem e que consigam sobreviver.

Forrest Gump
Escrever é um exercício de observação. Então, tratem de simplesmente observar as pessoas ao seu redor e nada de criar características do além, porque por mais que você escreva sobre seres do além, as pessoas só irão acreditar neles se eles forem muito próximos a elas, se eles, apesar dos poderes, souberem ser reais também. Cabe a vocês criar alguém tão real que transformar-se na lua cheia, viver em mundos invisíveis ou tomar sangue para viver só seja um elemento a mais, e não algo irreal.

Um bom personagem fará qualquer pessoa seguir sua história até o fim mesmo que ela não seja tão boa, porque eles vão se afeiçoar a ele de tal forma, que se tornará importante o seu futuro, o seu final feliz ou não.
Nunca trate seus personagens como filhos e coloque-os embaixo das suas asas. Eles têm que ser parceiros andando ao seu lado. Assim ambos crescem.
O Homem de Ferro
E por fim,
Sente e comece a escrever. Já!

(Durante a postagem coloquei personagens do cinema que acho incríveis. Pensem nos seus, confiram e analisem os filmes escolhidos por vocês e repensem eles com as características citada. Cinema não é literatura, mas podemos aproveitar muita coisa dela. Bom trabalho!)