Desnecessário




Desnecessário. Adjetivo. É quando você está com fome, vai até a geladeira e ela está vazia. Completamente vazia. Absurdamente vazia. Até a água, que deveria estar gelada, ainda está natural. 

Aí você decide ir à venda da esquina. Mas deixou a carteira no quarto, no primeiro andar. Você sobe. Pega a carteira, desce as escadas e vai até a porta. E descobre que as chaves também estavam ano quarto. Aí você sobe. Novamente. Pega as malditas chaves e desce, de novo, as escadas. 

Quando abre a porta, vê a venda sendo fechada. Você corre. Estoura a sandália, pragueja, mas continua correndo, senão vai ficar com fome. O pé dói, mas a fome é maior. Corre, corre, corre... E chega. 

O dono da venda olha pra você e segura a porta no meio do caminho. Você explica que quer comprar pouca coisa, rapidinho. E faz um “draminha”, pra ganhar o cara no papo. Mesmo sendo verdade, o cara não acredita.

Você insiste e, quando ele vai fechar a porta, você entra como um raio. Ele grita e te segue. Você continua correndo e ele atrás. A cada curva, você pega pão, ovos, queijo e alguns biscoitos. Na curva final, você agradece, joga o dinheiro e pede pra ele guardar o troco. E ele só quer te dar um soco.

Mas você, apesar da fome, é mais rápido e volta pra casa. No meio do caminho, deixa a outra sandália pelo chão. Quem sabe passa algum saci e ela pode servir. Vamos ser solidários. Você abre a porta E vai à cozinha. 

Quando você tenta acender o fogo, sua mãe diz que o gás acabou. Você gela. Mas ela diz que tem um botijão reserva no quintal. Você pensa. 13 quilos do quintal até a cozinha, com fome, parecerão 130. Mas é o jeito e pega pesado. Literalmente.

Chegando na cozinha, troca o gás (vamos pular os detalhes, porque todo mundo sabe o saco que é trocar pneu, dinheiro pegado e botijão de gás) e acende o fogo. Prepara os ovos, o queijo, o pão...  torrado...  Hum... Nham, nham! Não vê a hora de comer!... É quando sua mãe, com aquele olhar de gato de boteco, diz que está tudo tão cheiroso, que quer também. É quando percebe que a comida só dá para uma pessoa. 

Aí, você pensa em tudo o que sua mãe fez por você: as noites mal-dormidas (às vezes, nem dormidas), as fraldas trocadas, as jornadas triplas, os sacrifícios... Bom, entrega o prato de comida pra ela. Ela sorri e pergunta se você não vai querer. É quando você sorri também e diz que fez o prato pra ela. Que ela merece. Que a ama (e isso é verdade!). Dá-lhe um beijão, pega o pacote de biscoitos e sobe as escadas para o seu quarto, onde o notebook está ligado no Facebook (rima boba, mas você ri). Então, entre uma e outra mordiscada, escreve uma crônica. Uma crônica de uma fome anunciada (com um novo perdão pelo trocadilho...). E anuncia: o que é mesmo desnecessário?

(Guilherme Ramos, 04/09/2012, 21h25, baseado em - alguns - fatos reais, mas totalmente desnecessários. Biscoitinho bom, viu? Kkkkkkk....)
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A postagem da coluna Vida foi tirada do blog Prosopoética do meu queridíssimo amigo Guilherme Ramos. Passem no espaço dele para conhecer um pouco mais sobre o seu trabalho de escrita que é simplesmente incrível! 
Amigo, agradeço por ter cedido o texto, você é um danado maravilhoso escritor. hehe